quarta-feira, 21 de setembro de 2016

LADO B Antoninho Rossi

Na juventude, o pai de Antoninho o fazia trabalhar na Rossi como forma de castigo cada vez que o garoto aprontava. Com o tempo, mais do que aprender a gostar do trabalho, ele tomou a frente do negócio da família

Por Valquíria Vita

    Poucos dias antes dessa entrevista, Antoninho Rossi, 83 anos, comentava com os amigos no Bar 13 que não tinha motivos para reclamar da vida. “Eu acho que eu tive uma vida muito feliz. Desde pequeno, sempre foi bom”, repetiu a frase que havia dito aos amigos.
    Acompanhado pela filha Eloísa, Antoninho contou as histórias de sua vida que se misturam às histórias da Livraria Rossi, negócio da família que ele aprendeu a gostar. “O pãozinho é daqui que eu tiro, eu tenho que gostar”, diz, rindo.
    “A Eloísa está aqui para me lembrar de tudo o que eu esquecer”, explicou, ao iniciarmos.
“Mas eu acho que o senhor lembra mais do que eu”, respondeu ela. Com razão. Antoninho não só lembrou de tudo, como garantiu uma série de risadas durante a conversa. “Ainda venho para a loja todos os dias. Fazer o que em casa? O maior serviço que eu tenho é conversar com a caturrita e dar comidinha para ela”.

Juventude de lazeres (e trabalho como castigo)
Conversar, não só com a caturrita, é algo que Antoninho gosta de fazer desde pequeno, época em que também ganhou o apelido que tem até hoje. Se na família era chamado de Antoninho, no colégio era conhecido como Marcos (o nome completo é Marcos Antônio Rossi).
Apesar de ter nascido em Caxias, ele iniciou os estudos em Antônio Prado, no Colégio dos Maristas. Lá, morou com a avó. “Não sei se era porque minha mãe tinha muitos filhos ou estava muito atarefada, mas eu fiquei com minha avó durante quatro anos”, conta, falando das duas irmãs, Lígia e Mariana (falecidas), e do irmão, Tito.
Após o ensino primário, Antoninho voltou a Caxias e ingressou no colégio do Carmo. “Eu me achava uma maravilha de aluno, o professor, não”, diz. “Nunca gostei muito de Português, gostava de Ciências. Principalmente quando a gente ia para o laboratório, que era uma festa”.
    Fora do colégio, jogava bola com um grupo de amigos na avenida Júlio de Castilhos, à noite. “A gente só parava de jogar quando vinha um auto”, diz, lembrando de uma época em que não eram muitos os carros que passavam pela Júlio. Além de futebol na rua, Antoninho também foi jogador de vôlei pelo Clube Cruzeiro.
    Desde cedo, o pai, Armando, que já era dono da Rossi, na época uma gráfica, colocava Antoninho no trabalho. “Quando eu fazia muita arte, causava algum problema, eu tinha que ir trabalhar”, conta. Mas o que começou como uma espécie de castigo virou, de certa forma, um prazer. “Trabalhei em todas as funções na gráfica. Eu que desenvolvi a fabricação de etiquetas e eu gostava muito.”
    Quando não estava na escola ou na Rossi, Antoninho diz que se divertia “com todos os lazeres que existiam”. Suas preferências eram cinema, “íamos muito ao cinema na época, não tinha televisão”, e os bailes. Foi num desses bailes do clube Guarany que conheceu Leda e a tirou para dançar. E com ela se casou anos mais tarde.

Um homem de família (envolvida nos negócios)
    Aos 18 anos, no entanto, um acontecimento fez com que ele desse uma pausa na vida que levava para poder servir o quartel. “Eu não queria. Arrumei até um atestado na escola dizendo que não podia sair de Caxias e o cara do quartel me olhou e disse ‘não, tu vai para lá e fim’”. E assim, junto com um grupo de jovens de Caxias, Antoninho pegou o trem até Porto Alegre, onde serviu a Polícia Especial, P.E., durante quase um ano.
    Nesse período telefonava para Leda quando podia e a visitava nos finais de semana que voltava a Caxias. Eles se casaram em 1956, na igreja de São Pelegrino, abençoados pelo padre Giordani. O sonho de Antoninho, conta Eloísa, era ter um filho homem. Mas, em vez disso, foi abençoado com quatro filhas: além de Eloísa, tiveram Denise, Henriete e Daniela. “Foi muito bom criá-las. Nunca me deram problema algum”, diz ele.
    Um momento difícil e, certamente, o mais difícil de todos, foi quando a filha mais velha, Denise, faleceu, aos 19 anos. Após anos visitando médicos que não descobriam a causa de uma dor na perna da jovem, o cardiologista de Antoninho pediu para que ele levasse a filha lá, já que sempre ouvia falar dela nas visitas do pai. E foi ele que descobriu que ela estava com um câncer, em uma época em que os tratamentos avançados não existiam.
    Todas as outras filhas trabalharam, pelo menos em algum momento, na Rossi — que hoje já está passando para o comando da quarta geração, os netos de Antoninho (bisnetos de Armando, que iniciou o negócio nos anos 20).
    O neto Marcos André Rossi hoje já toma conta da loja. Além dele, Antoninho e Leda têm outros cinco netos: Andréia, Marcela, Bruno, Luiza e Felipe. “Meu pai é super família”, conta Eloísa.

A firma (e um plano de futuro bem simples)
    Não houve um momento específico em que Antoninho decidiu que queria tomar conta do negócio da família. “Não foi uma decisão, foi algo natural, o caminho a seguir”. Deste caminho ele diz não ter arrependimentos. É claro que nem tudo deu certo nesses anos todos a frente da Rossi. “A firma teve altos e baixos, fiz alguns negócios desastrosos, mas tranquilo,” diz, contando sobre a época em que a Rossi construiu um pavilhão para começar a produzir rótulos para uma grande empresa. A empresa quebrou, e o plano da Rossi também. “Recolhemos os trapinhos que sobraram e voltamos para cá.”
Depois de algumas outras mudanças, ele e os irmãos, que eram os sócios após o falecimento do pai, decidiram separar a gráfica da livraria. E Antoninho acabou comandando a livraria. Hoje, não existe mais a parte da gráfica, apenas a da livraria, que segue bem no mercado: possui quatro lojas na cidade e 80 funcionários.
    Além do prazer de circular entre clientes, funcionários e livros, Antoninho é apaixonado por leitura. “Ele devora livros”, diz a filha. Outro lazer, que aparece logo após esse, é assistir aos jogos do Juventude. “Houve uma época em que eu tinha os companheiros de Jaconi, íamos ao campo com sol ou com chuva. Mas hoje todos já morreram.”
Ele também gosta de passar os verões em Torres, onde a família tem casa. Religioso (vai a missa todos os domingos), é muito próximo do padre Mario Pedrotti, da igreja de São Pelegrino, que também vai a Torres: “Temos conversas profundas sobre a existência de Deus.”
    Finalizando a conversa de uma forma simples e objetiva (o que parece combinar muito com sua personalidade), Antoninho tira apenas uma conclusão sobre seus planos atuais:  
“Quero apenas continuar vivendo.” 

Publicado na revista Acontece Sul, em setembro de 2016.