segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Lado B - Carlos Antonio Martinato

Por Valquíria Vita

São poucos que podem dizer que administram uma empresa com mais de 100 anos. Carlos Antonio Martinato pode.
Esta história começou em 1912, quando o pai de Martinato, Guerino, iniciou na cidade de Rio Grande o empreendimento que anos mais tarde passaria para os filhos e netos. No final de 1934, Guerino, a esposa e os filhos, Gemma, Aldo e João Bosco, embarcaram em um navio pela Lagoa dos Patos rumo a Caxias do Sul. Pararam em Porto Alegre e, de lá, pegaram um ônibus. O objetivo: instalar a relojoaria em Caxias do Sul.
Poucos meses depois, em janeiro de 1935, nasceu o caçula da família, Carlos. “Nasci quase no caminho”, brinca Martinato, que concedeu esta entrevista na atual Óptica Martinato (na Av. Júlio de Castilhos, 1867). “Na época em que a empresa foi criada, as coisas eram feitas para durar”, diz, sobre o negócio que já sobrevive há 103 anos.
Guerino contou com a ajuda dos filhos para tocar o negócio desde os anos 40 – em uma época em que ter mais do que 10 anos de idade já significava estar crescido e apto para ajudar no trabalho. Martinato começou aos 14. Saía do Colégio do Carmo e ia para a loja trabalhar com o pai.
Nas horas vagas, brincava com um grupo de vizinhos e colegas de colégio perto de casa, no Centro. “As árvores serviam de goleiras. A gente se divertia muito. Era uma vida completamente diferente do que é hoje. Era muito boa, bem tranquila.” A brincadeira mais comum era o futebol de rua – sempre evitando que a bola caísse no quintal dos Eberle, na Borges de Medeiros, entre a Sinimbu e a Júlio – e estragasse as flores.
É este cenário, de crianças jogando bola na rua, que marcou a infância de Martinato. “Eu me considero uma pessoa privilegiada. Eu vi Caxias, que não era nem calçada, se transformar no que é hoje. Vivi uma revolução muito grande neste século em Caxias: desde o tempo da carroça até os tempos dos caminhão”, conta.
Uma de suas lembranças mais antigas é nos anos 40, época do calçamento da Avenida Júlio, bem em frente à relojoaria do pai, que nos primeiros anos estava localizada próximo ao Clube Juvenil. “Calçaram a rua com paralelepípedos, como é até hoje. Mas as frestas entre os paralelepípedos eram preenchidas manualmente com piche quente. E as mulheres odiavam, porque usavam salto fino, que entrava no piche e sujava”, relembra. Outra lembrança peculiar era a dificuldade em realizar uma ligação telefônica. “Para ligar para Porto Alegre tinha que ir na frente do Hospital Pompeia, solicitar uma ligação nas cabinas e esperar uma, duas, até três horas para conseguir. Então era mais fácil ir a Porto Alegre do que telefonar.”
Na adolescência, Martinato cursou Contabilidade no Colégio do Carmo durante a noite. Durante o dia, seguia ajudando e aprendendo com o pai. Depois, fez Matemática na UCS, graduando-se em 1967.
Ao mesmo tempo, a Óptica Martinato, a primeira da região, tornava-se tão conhecida que profissionais do Rio Grande do Sul e Santa Catarina vinham até Caxias para ter aulas técnicas, teóricas e práticas, ministradas por Carlos e os irmãos, também envolvidos com o negócio. O pai, Guerino, trabalhou até seu último dia de vida, aos 72 anos. Martinato conta que ele sofreu um acidente de carro ao dirigir até sua cidade natal, Rio Grande, em um tempo em que proteções como cinto de segurança ainda não existiam.
No final dos anos 70, Martinato assumiu o negócio sem a ajuda dos irmãos, mas com o incentivo da esposa e dos filhos. “Foi um apoio fundamental para dar continuidade. Sem eles, não teria conseguido. Eu devo mais a eles do que ao meu trabalho.”
Ele e a esposa, Jessy Adamatti Tizatto, se conheceram nos anos 50. Jessy trabalhava na Martinato quando a ótica ainda era relojoaria, mas os dois só se aproximaram de verdade por causa de um lazer em comum: jogos de pingue pongue no Clube Guarany. Eles se casaram em 1957, no Recreio da Juventude, e o dia do casamento, para Martinato, é lembrado como o mais feliz de sua vida. “Eu encontrei a pessoa que me deu uma força muito grande. Procuro dar para ela o que eu posso. Ela me dá mais do que eu dou. Se não fosse por ela, eu não seria o que sou hoje, com certeza”.
Martinato e Jessy tiveram dois filhos: Vera, que hoje trabalha na ótica com o pai (e, no trabalho, o chama de “seu Carlos”), e Henrique, que é médico (“mas não quis ser oftalmologista”, brinca Martinato, referindo-se à ótica). O casal já tem dois netos: Nicole e Pedro Henrique. A família toda reúne-se uma vez por semana para jantar na casa de Martinato e Jessy. “Procuramos manter este vínculo sempre.”
Além de passar tempo com os filhos e netos, quando não está na ótica, Martinato toca violino, instrumento que domina desde os 10 anos de idade. Ele já participou da Orquestra Caxias do Sul, nos anos 40, da Orquestra Santa Cecília, nos anos 50, e da Orquestra Sinfônica de Caxias do Sul, nos anos 70. “Ainda toco violino. É uma das minhas distrações.”
Outras distrações costumavam ser os esportes. Martinato praticava futebol, futsal, pingue pongue, basquete e vôlei, atividades que hoje a idade já não permite que ele exerça. Ainda é possível, no entanto, acompanhar e torcer pelo seu time, o Caxias.
Ele conta que também gosta de passar tempo no computador, onde se ocupa com jogos, notícias e e-mails. “Spam. Recebo muito spam também”, diz, enquanto transfere as fotos que ilustram esta matéria de seu computador para um pen drive, com a mesma destreza que um jovem de 20 anos executaria a tarefa.
Ele e Jessy também vão muito ao cinema. “Se não é para ver um filme é para pelo menos sair de casa, desentocar.”
Sair de casa nunca foi um problema para ele. Martinato sempre teve uma rotina agitada, envolvendo-se em muito mais do que com seu próprio negócio. Ele participou das Associações de Pais e Mestres do Colégio São Carlos e do Colégio do Carmo; foi sócio-fundador e presidente por duas gestões do Lions Clube Caxias do Sul - 1875; e envolveu-se com a Câmara de Indústria e Comércio (CIC), onde foi conselheiro.
Além disso, participou da fundação da Câmara de Dirigentes Lojistas, em 1965 (a entidade está comemorando 50 anos este ano), e foi presidente da entidade nos anos 70. “Fui convidado e tive o privilégio de presidir a entidade. Foi uma boa experiência. Acho que todas as experiências são boas. E era década de 70, não era conturbado. Em 1974, não tinha muita confusão.”
Martinato também encontrou tempo para participar da diretoria do Sindicato do Comércio de Caxias do Sul e do curso da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra.
Até hoje, aos 80 anos, ele não para muito em casa. “Eu ainda venho para a ótica todos os dias. Não sei se é porque eu gosto ou porque estou viciado no trabalho”, revela, cogitando as possibilidades que teria ficando em casa: “O que vou fazer? Ver televisão? Computador todo o dia? Não… A gente nota os senhores na praça, com a minha idade, sentados, definhados, sem atividade, caminhando com dificuldade. Eu preferi manter a minha atividade.”
O lema que rege sua vida, diz ele, tanto pessoal quanto profissionalmente, é a honestidade. “Se a pessoa é honesta, o caminho é reto, não tem muitas curvas. A honestidade, para mim, é o principal. E isso aprendi com meu pai.”
Guerino é lembrado diariamente na ótica. No escritório onde Martinato concedeu esta entrevista, há vários quadros com certificados e troféus exibindo as conquistas do negócio ao longo dos anos. Na subida da escada, como não poderia deixar de ser, um quadro com o retrato do pai.
Se estivesse vivo, Guerino certamente estaria orgulhoso.


Perfil publicado na Revista Acontece de Caxias do Sul, em Dezembro de 2015.  Link original: http://www.revistaacontecesul.com.br/materia/lado-b/2015-12-07/carlos-antonio-martinatto