sábado, 15 de agosto de 2015

LADO B - JOÃO CARLOS MENEGHINI

Por Valquíria Vita


Mãe, esposa, três filhas e duas netas são os bens mais valiosos da vida do médico dermatologista João Carlos Meneghini  



João Carlos Meneghini é um daqueles homens que faz qualquer mulher sorrir – e que faz com que elas acreditem que ainda existem cavalheiros nesse mundo. O médico dermatologista, hoje com 72 anos, demonstra ser gentil, educado e preocupado. Aos finais de seus emails, ele anexa a foto de uma rosa. Ao final da entrevista, ele me ajudou a vestir o casaco (e perguntou se poderia fechar a porta do consultório, enquanto eu aguardava pelo elevador no quinto andar do Edifício Estrela). 

Meneghini também desculpou-se mais de uma vez pelo atraso de 10 minutos para conceder essa entrevista, explicando que atrasos não fazem parte do seu dia a dia. “Dei aula na universidade por 36 anos e nunca cheguei atrasado, em respeito aos meus alunos,” diz ele. 
Além da pontualidade, o perfeccionismo também parece ser uma de suas características. “Eu me encontrei na especialidade da dermatologia justamente porque sou muito perfeccionista,” explica ele. “Tudo nela está voltado para os detalhes, a partir deles que se faz o diagnóstico clínico. Se não fores detalhista e perfeccionista, podes não conseguir traduzir em diagnóstico o que uma manifestação da pele está comunicando.”

O consultório também comprova sua preocupação com o perfeccionismo: a sala decorada em tons claros tem uma mesa de vidro com duas rosas vermelhas e duas brancas – além de dois porta-retratos idênticos exibindo as fotos das netas gêmeas, Lívia e Laura. “Mas o senhor é virginiano?”, pergunto, acostumada ao perfeccionismo presente na personalidade de três bons amigos desse signo. “Não, sou de Sagitário, de 21 de dezembro,” diz, completando que a esposa, Miriam, é de 20 de dezembro, o que leva o casal a comemorar o aniversário junto todos os anos. 

Meneghini e Miriam vivem no Centro, bairro onde Meneghini nasceu e passou a infância. Filho de Adelina Segalla, hoje com 94 anos, e Nelson Antonio Meneghini, já falecido, Meneghini é o primogênito: depois dele vieram os irmãos Breno e Luiz Augusto. 

Na época da infância, lembra ele, a tranquilidade da cidade permitia que as crianças brincassem na rua, fazendo dessas as melhores lembranças desse período. O jovem cursou o Primário e Ginásio na Escola Normal Duque de Caxias e o Científico no Colégio do Carmo. 
Ele tinha um bom grupo de amigos que morava nas proximidades, e, com a chegada da adolescência, as brincadeiras na rua foram trocadas pelas emocionantes reuniões dançantes. Foi em uma delas, durante o aniversário de 15 anos de uma amiga, que o futuro médico conheceu Miriam. “Nos apaixonados,” conta Meneghini. “A Miriam sempre teve coerência nas atitudes e sempre foi muito decidida. Isto e mais a beleza que ela irradiava foram motivos do ‘engate’”. 

Nos início dos anos 60, no entanto, a paixão dos dois teve que lidar com um desafio: a distância. Meneghini mudou-se para Porto Alegre para cursar Medicina na Faculdade Federal do RS, e lá morou durante oito anos. Por mais que esse tenha sido um período de muita saudade, esse tempo é lembrado com muito carinho por Miriam. “A gente namorava e ninguém tinha carro na época. Ele vinha de Porto Alegre quando dava, de ônibus, e nesse meio tempo nos mandávamos cartas perfumadas. E era aquela espera pela carta todas as semanas. Foram anos de namoro assim,” lembra Miriam. 

Enquanto mantinha o namoro firme e forte através das cartas perfumadas, Meneghini dedicou-se extremamente a aprender o exercício da Medicina. Durante esses anos, ele morou em uma pensão com alguns colegas “Naquele período, Porto Alegre era romântica, uma cidade bem diferente do que é hoje. Adorei ter estudado lá. Cresci muito com tudo,” diz o médico. 
Meneghini formou-se em 1968 – lembra-se até o dia: 7 de dezembro. Após o período de residência, retornou a Caxias, onde casou-se com Miriam, em 1970. O casal teve três filhas: Andrea, que também é dermatologista e hoje trabalha na sala ao lado do consultório do pai; e as gêmeas Flávia, psicopedagoga, e Fernanda, enfermeira. Andrea é a mãe das gêmeas Lívia e Laura, oito anos, cujas fotos estão no consultório do avô. 

Entre os momentos mais memoráveis da carreira de Meneghini está o trabalho que ele desenvolveu logo ao voltar a Caxias, nos final dos anos 60. O médico foi responsável pelo serviço de prevenção do Mal de Hansen (lepra), na Delegacia de Saúde da cidade. Ele não apenas iniciou o serviço, como dedicou-se a isso por 35 anos. Meneghini também foi plantonista no Inamps (hoje INSS), onde chegou a assumir o cargo de chefia. 

Mas o marco mais significativo nas quase 50 décadas de Medicina é o período em que lecionou. Meneghini foi professor da UFRGS por um ano, e da UCS, por 36. “Lecionei desde a primeira turma de Medicina da UCS. Eu gostava muito,” diz, com ênfase no “muito”. “Eu me realizava demais. Dar aula te mantém atualizado, e eu estudava muito,” diz o médico. 

Hoje Meneghini é professor aposentado, mas diz ainda ser um apaixonado pela profissão. “Como professor, sempre tentei levar, ao lado dos ensinamentos, o respeito e a dedicação. Sempre considerei a dermatologia uma ciência de raciocínio, como toda medicina,” diz. 
Além de lecionar, Meneghini também considera o trabalho na clínica “fascinante”. O médico ainda recebe pacientes no consultório que mantém no Edifício Estrela desde a fundação do prédio, há 45 anos. “Eu pretendo trabalhar até quando for possível. Ainda estudo bastante, discuto problemas médicos com a minha filha dermatologista,” diz. 

Ele e a filha Andrea sempre saem do consultório por volta das 17h para buscar as meninas no colégio. “Ele é um pai e avô super preocupado,” conta Miriam. “As netas brincam que ele é o último homem educado, porque ele sempre faz questão de pegar pela mão.”

Meneghini também não poupa elogios às filhas e netas. “Sempre fui muito gratificado com as filhas que eu tenho. A educação de cultura italiana que demos, com rédeas curtas, trouxe bons resultados.” 
O consultório que hoje divide com Andrea não é mais a sua segunda casa, como foi por muitas décadas. O médico hoje atende apenas três vezes por semana. As quintas e sextas são reservadas para ele.

Entre os seus lazeres está a leitura, música (“Frank Sinatra, boleros e valsas, não é a música que vocês, jovens, gostam”) e seus cachorros (animais que o médico sempre fez questão de ter). 
Um lazer mais recente são os livros de colorir. “O senhor pinta para relaxar?”, pergunto, ao imaginar que esse seja o único propósito do hobbie. “Não relaxo,” diz ele. “Porque a pintura tem que estar sempre perfeita.”

Fica difícil imaginar momentos em que é possível concentrar-se para atingir a pintura perfeita, imagino. Afinal, Meneghini convive com nada menos do que sete mulheres: a mãe, a esposa, as três filhas e as duas netas. “Elas não te enlouquecem?” pergunto ao pensar em meu pai, que, com três mulheres na casa (e uma cachorrinha) já tem pouco sossego. “Não, me enlouquecem. Elas me protegem.”

Mas reza a lenda que um homem rodeado por sete mulheres vira lobisomem, conta ele. “Então de vez em quando eu me olho no espelho à procura de pelos na cara e orelhas pontudas”, brinca. 

Superstições e brincadeiras à parte, o médico diz que é muito tradicional. Orgulha-se dos 45 anos de casamento e tem uma filosofia de vida muito simples – e significativa: “A família é tudo.”

Perfil publicado na Revista Acontece de Agosto. Link original aqui. 

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Síndrome do Regresso_O impacto de voltar para casa depois do intercâmbio

Pode parecer loucura, mas a experiência de voltar para casa depois do intercâmbio pode ser tão intensa quanto foi a de sair de casa para viajar. Intensa, infelizmente, neste caso, não necessariamente significa boa.
O problema é tão sério que já está sendo chamado de Síndrome do Regresso. Sabe-se que enquanto o período para se adaptar em um novo país é de seis meses, o tempo para se reacostumar com o país de origem pode levar até dois anos. Mas calma. Eu superei essa síndrome bravamente duas vezes (em menos de dois anos), e, assim como eu, milhares e milhares de jovens brasileiros que tiveram de retornar às suas casas também sucederam.
Existe uma teoria, chamada Cultural Adjustment Curve, que explica que quando um intercambista chega no país novo ele passa por vários altos e baixos. O curioso é que o mesmo gráfico se aplica na volta para casa, afinal, você está se readaptando a uma cultura (mesmo que seja uma que você antes já conhecia e dominava). O mesmo processo ocorre da seguinte forma: primeiro a excitação, aquela fase em que você está muito empolgado para rever família, amigos, cachorros e comer a comida da sua mãe. Depois que o sentimento excitante da novidade passa, no entanto, começa a queda, a sensação de “ok, não quero mais brincar disso, posso voltar para os EUA agora?”. Os amigos já voltaram a estar ocupados e, em casa, já nem fazem comida tão especial assim para você.
Mas toda a queda tem um final, certo? Depois de atingir o “rock bottom”, como dizem os americanos, a tendência é que se inicie uma subida, e você, aos poucos, vai se reacostumando, vamos dizer, com a vida antiga.
O segredo é não entrar em desespero e não esquecer uma premissa muito importante (premissa, alías, que você pode levar para a vida em geral, na minha opinião): “Life only moves forward”, ou seja, a vida só anda para frente. Por mais linda e fantástica que foi sua experiência de morar fora, não faz sentido se apegar a ela a ponto de não conseguir tocar a sua vida de volta a seu país de origem.
Pense em voltar para casa como apenas mais um dos desafios do processo (que, como sabemos, os desafios começaram lá quando você estava tentanto empacotar sua vida em duas malas para vajar - ninguém disse que eles terminariam quando você voltasse pra casa e abrisse as malas).
O intercâmbio não acaba quando você volta para casa. Por meses (para algumas pessoas, anos) as lembranças daquele país vão acompanhá-la muito intensamente no seu novo dia a dia no Brasil. Algumas coisas que não te irritavam antes, na volta para casa começam a irritar, outras, não parecem mais ter tanta graça quanto tinham antes de você viajar.
Três coisas me incomodaram quando voltei para casa. A primeira delas foi a sensação de que eu havia perdido muita coisa. Alguns amigos tinham casado, outros tiveram bebês, minha prima cresceu e começou a falar. De alguma forma, eu me sentia injustiçada por ter perdido esses acontecimentos, mesmo sabendo que seria impossível ter estado lá e aqui ao mesmo tempo.
A segunda coisa que me incomodou foi justamente o sentimento contrário deste: a sensação de que tudo continuava exatamente igual. Percebia que minha família brigava pelos mesmos problemas que brigava antes (meus pais discutem diariamente pelo prato de salada há anos), que meus amigos conversavam sobre os mesmos assuntos, que os jornais davam as mesmas notícias sobre os mesmos problemas das mesmas ruas da mesma cidade. E, dentro de mim, tanta coisa tinha mudado que era muito difícil lidar com o fato de que isso não tinha acontecido com mais ninguém do meu convívio.
Finalmente, o mais difícil de lidar foi o fato de que ninguém realmente parecia se importar. Explico: desembarquei no Brasil pela primeira vez em 2013 emocionadíssima, cheia de novidades e histórias pra contar, além de muitas fotos para mostrar. E aqui, ninguém me perguntava quase nada! Quando perguntavam, era um “eai, como foi lá?”, uma pergunta tão vaga que um “foi bem legal” bastava para suprir a questão que provavelmente havia sido feita apenas por educação. Eu sentia como se tivesse tido uma vida totalmente diferente nos Estados Unidos, como se lá eu tivesse sido uma outra pessoa, e, chegando aqui, eu tive que dar tchau não apenas para o país americano mas também para aquela pessoa (que era uma pessoa bem legal, aliás). E isso doeu muito.
Sem saber lidar com todas essas frustrações, minha saída foi manter longos períodos de silêncio (e quem me conhece sabe o quanto isso é raro). Como eu sentia que quase ninguém se importava muito, eu comecei a parar de falar do intercâmbio. E durante vários encontros sociais eu adotava a cara de paisagem e nada falava. MInha mente, no entanto, nunca estava presente. Continuei chateada por vários meses com as pessoas por não se importarem com o que eu tinha vivido. E aqui, meus queridos leitores, é a parte que eu digo que eu não soube lidar bem enquanto passava pela Síndrome do Regresso. Porque esses sentimentos ruins só faziam mal a mim. E eu cheguei a passar por dias de tristeza e nostalgia tão intensas que comecei a pensar que não queria ter feito aquela viagem, só pra não ter que encarar tamanha fossa depois. Sim, hoje eu vejo que isso foi um sentimento covarde, tão covarde e estúpido quanto não querer se apaixonar por medo de se machucar no final do relacionamento.
Mas antes que você comece a pensar que a situação é pior do que realmente é, apresso-me a escrever que na segunda vez que voltei para casa do intercâmbio (já mais velha e sabendo o que me aguardava), em 2015, desembarquei de volta a Porto Alegre sem pretensão alguma. Apenas tinha dentro de mim a certeza de que havia vivido tudo o que queria viver, que havia feito amizades maravilhosas e visto lugares incríveis. E que isso realmente não importava a ninguém mais que não a mim.
Então a segunda volta foi linda e perfeita? Não. Mas aceitando algumas verdades (e diminuindo algumas expectativas em relação às pessoas), ficou muito mais fácil encarar a nova vida de volta para casa. E aqui, peço licença para citar Phil Dunphy, o personagem de uma série que adoro, Modern Family: “As coisas mais maravilhosas vão acontecer com você. Se você apenas baixar suas expectativas.”
Brincadeiras à parte, minha segunda volta foi muito, mas muito, mais tranquila (e bem menos triste). Passei apenas algumas noites sonhando com Pittsburg e acordando decepcionada por ter sido só um sonho, mas os pesadelos foram diminuindo gradativamente, assim como o sentimento ruim que os acompanhava.
O importante, intercambistas, é saber que é absolutamente normal levar um certo choque ao voltar para casa depois de uma viagem. Afinal, você passou por um período vivendo coisas extremamente diferentes das que estava acostumado, com outras pessoas, outro lugar, outra comida, outro clima, outra língua! O estranho seria se não houvesse um choque, né?

Portanto aí vão algumas dicas simples que podem te ajudar neste momento:

Número 1. Ocupe-se. Uma rotina agitada faz toda a diferença.
Número 2. Se mesmo depois de muitos meses de fossa, você ainda sentir que quer voltar (e tiver condições para isso), volte. Eu fiz isso e acabei tendo uma segunda experiência nos EUA ainda melhor que a primeira. Mas mantenha em mente um detalhe muito importante: você nunca viverá a mesma coisa duas vezes. No segundo intercâmbio, as pessoas serão outras e as vivências também. Just keep that in mind.
Número 3. “Saudade é o imposto que a vida cobra de quem foi muito feliz durante um determinado momento”, dizem. Eu hoje tenho nas fotos espalhadas pelo meu quarto (e em uma tatuagem no braço) o quanto fui feliz nas duas viagens para fora do Brasil. 
Só esse sentimento é suficiente para me fazer sentir gratidão até mesmo nos dias em que estou mais desanimada. Isso não é viver de passado, mas sim saber que todas as experiências que passei fizeram com que eu me tornasse uma pessoa muito mais feliz (e corajosa). E isso, pra mim, até hoje, faz toda a diferença.



Galera de Pittsburg que voltou para seus respectivos países em Maio deste ano, assim como eu. 




Se você por acaso já passou por algo semelhante ao que descrevi, caiu nesse blog por acaso, gostaria de compartilhar a tua história também, ou só quer dar um oi, me escreve (valquiria.vita@gmail.com), que o teu relato pode ajudar na pesquisa que estou fazendo sobre intercambistas =)