terça-feira, 1 de dezembro de 2015

LADO B - Victor Hugo Porto

Por Valquiria Vita

Victor Hugo Porto - O artista que quer entender as mulheres e as homenageia pintando-as gordas 

os 12 anos, Victor Hugo Porto desenhava mulheres nuas para um gibizinho pornográfico ironicamente chamado de Catecismo. Com os trocados que ganhava vendendo os gibis para os amigos, o menino ia ao cinema. “E minha mãe sempre perguntava: ‘mas por que desenhar tanta mulher pelada?’, e eu respondia ‘um dia, essas mulheres peladas ainda me darão uma boa grana’.” 
Décadas depois, os desenhos das mulheres peladas não apenas deram uma boa grana para Victor Hugo, como fizeram dele um dos mais bem sucedidos artistas caxienses. 
Conhecido por pintar gordinhas em suas telas, Victor Hugo, hoje com 61 anos (completados exatamente uma semana depois desta entrevista), explica que, pessoalmente, não são apenas as gordinhas que lhe atraem. “Me perguntam se eu gosto de gordinha. Olha, eu gosto de gordinha, eu gosto de magrinha... Mas desenho as gordinhas porque eu gosto das curvas. E acredito que elas representam a força que a mulher tem. Na pintura, a magra parece muito frágil.” 
Houve uma época em que ele chegou a pintar mulheres magras. Nesse período, ele diz que “não estava muito legal”, já que passava por problemas no primeiro casamento. Essa não foi a única vez que seu estado emocional influenciou a produção de suas obras: “Uma coisa sempre puxa a outra. Eu tenho que estar bem para pintar. Fiquei desenhando as magras por um tempo, depois elas foram se modificando, assim como eu. E até hoje elas estão bem gordinhas, coloridas e alegres, como eu estou”.
Victor Hugo separou-se da primeira mulher e mudou também a forma de pintar. “Hoje eu estou no meu melhor momento, tanto pessoal quanto profissional.”
Mas a vida de artista nem sempre foi bem sucedida. Depois dos desenhos para os gibis pornográficos, aos 13 anos Victor Hugo conseguiu um trabalho como ajudante de vitrinista no Magazine Fedrizzi que pagava meio salário mínimo. “Na época, as vitrines eram elaboradas, se usava muita decoração e se fazia todo um cenário para enfeitar a mercadoria. Tinha que inventar, colar, fazer escultura,” conta o artista, explicando que o baixo salário era compensado pelo aprendizado. Depois do Fedrizzi, ele trabalhou na loja da Eberle, também como vitrinista. 
Ao sair de lá, nos anos 70, o artista decidiu tornar-se dono do próprio negócio e montou a Victor Hugo Painéis. A empresa, que chegou a ter cerca de 10 funcionários, fazia publicidade e trabalhos visuais. Era arte. Mas não apenas. “Daí eu larguei tudo e decidi fazer só arte”, diz. “Corria o risco de me dar muito mal, mas fui.” 
Apesar de ter finalmente adquirido liberdade com seus horários, o primeiro ano trabalhando sozinho foi bem difícil financeiramente. “Eu cheguei a ter 200 quadros. Eu só pintava e não tinha ninguém para comprar.” 
Depois de um ano ouvindo muitos nãos, o artista enfim começou a vender. 
Na época, ele utilizava uma técnica de pochoir para naturezas mortas. Depois, evoluiu para outra técnica, com giz pastel, e começou a desenhar melancias. “Daí todo mundo queria. As melancias vendiam mais do que pão em padaria”, conta. “Até que um dia eu cansei de desenhá-las.”
Foi quando Victor Hugo começou a pintar as mulheres. “Eu sempre gostei de observar as mulheres. Nunca saio só para caminhar, saio para observar. Eu olho para uma mulher e vejo ela pintada no meu quadro.”
As telas expressionistas cubistas de Victor Hugo, que é fã de Van Gogh, Pablo Picasso e Toulouse-Lautrec, trazem mulheres com curvas bem marcadas e cores vibrantes. Os cabelos são quase sempre coloridos. “Porque a mulher tem a cabeça mais aberta, mais colorida. Ela enxerga tudo. Enquanto o homem só vê o que está na frente dele.” 
As mulheres dos quadros também têm outras características em comum: a boca que salta para fora do rosto e o olhar sempre para um lado, nunca para frente, encarando quem as observa. “A boca, porque a mulher sempre fala muito,” explica o artista, dizendo que ele não tem esse mesmo comportamento: “Eu sou um cara bem quieto, não falo muito. Sou bem normal, até. Para louco, falta muito.” O olhar ele chama de “à procura”, já que todos estamos sempre procurando algo a mais. Este “estar sempre à procura”, diz ele, é também uma de suas características. “Eu vou dormir e ainda estou pintando. O meu pensamento é uma eterna busca por soluções, por novidades. O que eu faço hoje não sei se farei amanhã. Estou sempre em evolução,” diz o pintor, agora novamente em fase de transição, pensando muito em novas técnicas, entre elas uma que usa linhas em preto e branco e imagens sobrepostas. 
Às vezes, esse pensamento hiperativo dá uma trégua. Quando precisa relaxar ou naqueles dias em que acorda sem inspiração, Victor recorre sempre a mesma terapia: dirigir. “Perguntam por que eu não faço ioga ou meditação. E eu respondo que eu dirijo”, conta. “Se estou meio down, pego a minha moto e saio sem rumo. Encho o tanque e, quando a gasolina acaba, encho o tanque para voltar. Essa é minha válvula de escape.”
Quando chove, em vez da moto Harley Davidson, Victor Hugo sai com a camionete Ford F1 1948. O segredo dos passeios desestressantes é a falta de pressa. “Vou devagar, olhando a paisagem. Algumas vezes, saio só por um dia. Cansei de descer a Rota do Sol, ir até a praia, comer um peixe e voltar.”
continua
Na maior parte do tempo, é a inspiração que vem ao artista no seu próprio atelier: um chalé em um bairro tranquilo de Caxias do Sul com vista para uma lagoa. Além dele, a única movimentação no lugar é do gato, Frajola, e do cachorro, Boris. 
O chão de madeira do atelier está cheio de pingos coloridos. Nas prateleiras, caixas plásticas com diferentes tipos de tinta e, espalhados pelas salas, dezenas de pincéis. Em meio às tintas posicionadas em frente ao quadro recém-finalizado, um potinho com amendoins. Jogados em um sofá, capacetes e uma jaqueta de couro Harley Davidson.
Victor Hugo tem um segundo atelier em Florianópolis, onde, algumas vezes, chega a passar um mês. “Lá em Floripa, eu me mando, é maravilhoso. Realmente tenho tempo para pintar. Sem computador, sem telefone, não conheço ninguém, não tenho um amigo. Durmo até a hora que eu quero, acordo e pinto. Daí volto com 20 quadros.”
Em Floripa, se quer andar de bicicleta, Victor Hugo sai com a tranquilidade de que ninguém estará esperando que ele volte cedo. A bicicleta, aliás, é outro dos seus lazeres. “Agora estou treinando para voltar a fazer longos percursos. Cheguei a ir até Torres de bici. Larguei esse hábito porque comprei a moto. Comecei a fazer motocross, mas me quebrei. Então voltei para a bicicleta.”
A liberdade, que consegue expressar plenamente quando está sozinho em Florianópolis, é um prazer que Victor Hugo cultiva desde criança. “Eu sempre gostei de fazer o que eu quero, principalmente de fazer o meu horário.” Ir para a escola, diz ele, “era a pior coisa que tinha”. Exceto pelas aulas de Artes, claro. 
Essa necessidade de não sentir-se preso é compreendida pela esposa, Naide, com quem é casado há 20 anos. Fora dos quadros, a vida de Victor Hugo também é cercada de mulheres, já que, além de Naide, ele também convive com a mãe, Lorena, que mora atrás do atelier e o chama para almoçar todos os dias, e com as “centenas de amigas.” 
As mulheres simplesmente o fascinam. “Elas são figuras enigmáticas, difíceis de entender. E no meu desenho, eu tento homenageá-las e entendê-las.”


Perfil publicado na Revista Acontece de Novembro. Link original:

domingo, 11 de outubro de 2015

Leia sem moderação

Por Valquíria Vita

Foto: Rodrigo Rocha
Foto: Rodrigo Rocha
O escritor caxiense Fabrício Carpinejar tinha 17 anos quando leu o livro mais incrível da sua vida: Em Busca do Tempo Perdido. As mais de 3 mil páginas da obra de Marcel Proust foram encaradas como um desafio e, talvez justamente por isso, fizeram com que o futuro escritor se apaixonasse tanto pelo livro. 
Para Carpinejar, a pessoa que lê é mais articulada, sabe escutar melhor, consegue controlar a ansiedade e lidar bem com a solidão. Mas você não precisa se afundar em um livro de 3 mil páginas para usufruir dos benefícios da leitura: “Nunca se leu tanto quanto hoje,” diz o escritor. A diferença é que, atualmente, lemos de formas (e em formatos) diferentes. O importante é saber que “toda a leitura é benéfica”. Leia a entrevista completa com o escritor, autor de mais de 30 livros, e entenda o porquê. 
 
 
Revista Acontece: Os hábitos de leitura parecem ter mudado muito. Isso aconteceu com você também? Ainda lê livros de papel ou lê e-books?
Carpinejar: Eu leio das duas formas. Mas acho que o livro de papel ainda tem todo aquele fetiche. O livro de papel não perdeu o seu ritual: ir à livraria, escolher, comprar e levar para casa; isso não tem com os e-books. Embora eu leia no Ipad também, ainda sou aquele cara que carrega uma mochila cheia de livros quando vai viajar.
 
RA: O que deve acontecer com os livros nos próximos anos? 
Carpinejar: A gente pensou que o rádio ia desaparecer com a TV, depois que a TV ia desaparecer com o computador, mas, pelo contrário: esses meios coexistem e um melhora o outro. Quem imaginava que, com a Web, o rádio teria sobrevida? Então eu acho que o livro continua perfeitamente existindo. Livro tem tecnologia como extensão das mãos. No e-book dá até para destacar e sublinhar, mas não dá para dobrar página, colocar um recadinho dentro, emprestar... Além de que o livro tem cheiro. O livro é quase um travesseiro, é como se fosse parte do enxoval. 
 
RA: A tecnologia contribui para aumentar o número de leitores?
Carpinejar: As pessoas estão lendo muito mais hoje em dia. Não houve redução de leitura. Nunca se leu tanta notícia, tanto jornal. Só que hoje a gente está treinado para ler com mais rapidez, em mais janelas do computador. As pessoas leem com muito mais intensidade. Então tudo bem se elas não estão lendo livros de papel, porque elas estão lendo. 
 
RA: Por que ler, especialmente nos dias de hoje, é importante?
Carpinejar: A leitura cultiva a solidão, o suportar da ansiedade do teu tempo contigo. Quem lê mais escuta melhor. Quem lê dedica um tempo, uma ou duas horas por dia, para articular memórias, orquestrar imaginação. Eu sou hiperativo, mas na hora em que leio, consigo ficar concentrado. 
 
RA: Você percebe diferenças nos hábitos e gostos de leitura entre homens e mulheres? 
Carpinejar: Acho que a diferença é muito mais uma criação do mercado, não sei se ela realmente existe. Mas a mulher gosta de    emprestar livro muito mais do que o homem, gosta muito mais de falar, de discutir o livro, além de dar muito mais livros de presente – isso é bem mais feminino. 
 
RA: Qual o melhor livro que você já leu?
Carpinejar: Em Busca do Tempo Perdido, do (Marcel) Proust. Foi o melhor que eu já li – primeiro, pela odisseia, depois pela quantidade de detalhes e pela continuidade. Aquilo que te dá mais trabalho é aquilo que tu mais vai amar (Em Busca do Tempo Perdido tem mais de 3 mil páginas). Por isso os jovens gostam de livros longos, grossos; é balela pensar que eles gostam dos livros fininhos. Eles gostam da aventura, da ficção, da continuidade.
 
RA: É possível diferenciar um leitor de um não-leitor?
Carpinejar: Sim, o vocabulário. A pessoa se entrega pelo modo de falar. Você sabe pelo vocabulário se a pessoa lê muito ou pouco. A pessoa com dificuldade de articulação é a que lê pouco. 
 
RA: Qualquer leitura é benéfica? Ou há livros que é melhor que nem sejam lidos?
Carpinejar: Sim, qualquer leitura é extremamente benéfica. Porque mesmo que o livro seja ruim, tu faz todo um esforço para descobrir que ele é ruim. A crítica faz com que tu cries um livro imaginário que não foi lido, tu ficas pensando que poderia ter sido de outro jeito, encontra uma solução. O que já não acontece com os livros de autoajuda, que é aquele livro que te diz o que fazer. A autoajuda tenta te convencer de algo, não tem descoberta. Isso não é literatura, é hipnose. 
 
RA: Os best sellers sofrem preconceito, especialmente de quem tem o hábito da leitura. O que tem (se tem) de errado em estar entre os mais vendidos?
Carpinejar: Não vejo nada de errado. Até porque eu não leio só livros extensos e profundos. Tem momentos que eu preciso apenas de entretenimento, igual a ir ao cinema: imagine só ver filmes do (Ingmar) Bergman, não dá. Tem alguns momentos em que a gente precisa não pensar, apenas se distrair.
 
RA: O que influencia mais um escritor: suprir a necessidade de as pessoas lerem ou a necessidade de ser lido? É mais altruísmo ou egoísmo?
Carpinejar: Eu acho que quando a pessoa lê um livro, ela faz isso para se encontrar e, na hora que tu escreves, tu queres se perder. Quando se escreve, se faz um esforço para ser o outro, e, quando se lê, é esforço para se ser. Ser lido é pouco para um escritor. Ele quer ser amado pelas palavras. 
 
Os mais vendidos em Caxias - *Dados do mês de setembro da Livraria do Maneco.
  • 1) Grey (E.L. James)
  • 2) Cazuza Ferreira tem Histórias para Contar (Batista Bossle) 
  • 3) Muito Mais que 5 Minutos (Kéfera Buchmann)
  • 4) Diário de um Banana Vol.9 (Jeff Kinney)
  • 5) Simples Assim (Martha Medeiros)
  • 6) Eu fico loko Vol.2 (Christian Figueiredo)
  • 7) Sapiens - Uma Breve História da Humanidade (Yuval Noah Harari)
  • 8) O Poder do Hábito (Charles Duhigg)
  • 9) A Nova Lógica do Sucesso (Roberto Shinyashiki)
  • 10) Diário de um Zumbi do Minecraft (Herobrine Books) 
Para gostar de ler 
  1. Dê uma chance aos best sellers (há um motivo para eles serem os mais vendidos);
  2. Tente ler uma série (o final de um livro instiga o início do próximo);
  3. Descubra o seu gênero favorito;
  4. Se gostou do livro, procure outras obras escritas pelo mesmo autor;
  5. Não desista tão rápido de um livro com início difícil. Mas, se continuar não gostando, não insista além do seu limite;
  6. Crie uma rotina (reserve um tempo do dia ou da semana para a leitura);
  7. Fique longe das distrações enquanto lê (evite ficar próximo à TV ou celular);
  8. Leia em momentos favoráveis (de preferência, quando estiver descansado);
  9. Respeite o seu ritmo de leitura (ler não precisa ser uma maratona). 
  10. Paradas de ônibus, salas de espera, intervalos e banheiro… Aproveite o tempo inútil lendo. 
  11. Se você realmente não conseguir sentir prazer ao ler livros tradicionais, não se preocupe. Leia textos em jornais, revistas, sites, blogs, redes sociais. Qualquer forma de leitura traz benefícios.
Matéria de capa da Revista Acontece de Outubro. Link original aqui: http://www.revistaacontecesul.com.br/materias/Diversos/Leia-sem-moderacao/

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

LADO B - Carmen Duso Riberio Mendes

Por Valquíria Vita




Foto: Silvana Eufrázio
Foto: Silvana Eufrázio
A professora de Geografia apaixonada por ensinar,
que já conheceu 30 países
Carmen Duso Ribeiro Mendes ama viajar. Mas não aquele “ama viajar” que todo mundo diz. Ela é apaixonada por viagens e sacia esta paixão frequentemente. Já conheceu quase 30 países, tem uma netinha que vive em Londres (o que faz da Inglaterra seu novo destino preferido) e há 47 anos é professora de uma matéria que ensina, justamente, curiosidades sobre outros países. 

Quando tinha 40 anos, Carmen, professora de Geografia, colocou uma mochila nas costas e foi para o Norte da Europa com dez amigas. Passaram 36 dias viajando de trem e dormindo em albergues. Anos depois, conheceram todos os países da América do Sul. 

Se são histórias como essa que fazem com que os alunos gostem tanto de Carmen, não se sabe. Sabe-se que enquanto parte de seu coração está em diferentes países, uma outra parte está em Caxias, onde ela contabiliza de 800 a 1.000 alunos por ano. “Multiplique isso pelos 47 anos que sou profe,” diz Carmen. 

Parte desses alunos está entre seus amigos de Facebook, cujo perfil com cinco mil amigos está lotado (alguém com tantos amigos no Facebook só pode mesmo ser político, celebridade ou então uma professora muito querida). 

Além das viagens e da profissão, Carmen tem outra paixão: cinema. Um gênero, em especial, a atrai: os musicais. Na estante da sala de seu apartamento no centro de Caxias, DVDs de musicais como Moulin Rouge dividem espaço com (muitos outros) DVDs de bailes do Juvenil, clube do qual ela faz parte das atividades sociais. A paixão por filmes não surpreende, já que Carmen e o marido, Renan, passaram parte da infância e juventude dentro no Cine Ópera. “Quando éramos adolescentes, meu sogro (pai de Renan, gerente do cinema) sempre deixava um camarote para nós,” lembra Carmen. 

Entre as lembranças envolvendo o antigo cinema, uma ficou marcada pela tragédia. “Era ele chorando e eu chorando”, conta Carmen sobre aquela madrugada da véspera de Natal de 1994, quando ela e o marido viram, pela janela do apartamento onde vivem até hoje, a cena mais triste do Ópera: o cinema sendo consumido pelas chamas que o destruiriam para sempre. 

Carmen não morou sempre no Centro. Ela nasceu no bairro Santa Catarina, em Caxias do Sul, em 1948. Além de Carmen, os pais, Ada Andreazza e Ângelo Duso, dono de uma olaria, tiveram mais três filhos: Sérgio, Ivo e Júlio. 

Com a venda das terras que eram da avó, a família mudou-se para o Centro, e Carmen começou a estudar no colégio em que, vários anos mais tarde, se tornaria professora: o São José. 

Ao se aproximar dos 15 anos, Carmen estava indecisa se cursava Magistério ou Contabilidade (na época, existia um Ensino Médio direcionado para isso, o que despertou o interesse da jovem, que também era fã dos números). O pai a mandou escolher apenas um. E foi ali que Carmen fez a escolha que traçou o seu futuro. “Decidi ser professora. E eu fiz a escolha certa, Magistério sempre foi o que eu gostava,” conta Carmen. “Eu sou daquelas que lembra até hoje do nome dos professores.”

Mais do que lembrar do nome, Carmen sempre nutriu admiração pelos seus professores, e a escolha por tornar-se uma fez o carinho pela profissão aumentar ainda mais. “Sinto-me realizada sendo professora da gurizada. E até hoje eu sou profe porque eu gosto.”

Quem olha para ela, no entanto, não diz que ela está no Magistério há quase cinco décadas. Carmen parece muito mais jovem do que realmente é, e isso é visível não só na aparência, mas também na invejável disposição para lecionar. 

Carmen fez parte da primeira turma de Geografia da UCS, e sua dedicação como aluna foi recompensada quando, durante o segundo ano de faculdade, um professor a convidou para ser monitora em uma das disciplinas. Depois disso, os convites para lecionar não pararam. Um ano mais tarde, quando tinha apenas 18, foi convidada para dar aula de Geografia no Cristóvão. “Foi aí que eu pensei, ‘Meu Deus, é agora que eu tenho que estudar o máximo possível’. E foi o que eu fiz”. Os primeiros alunos de Carmen tinham entre 14 e 17 anos, ou seja, eram apenas alguns anos mais jovens do que ela - o que contribuía para que o nervosismo aumentasse. “Tanto é que hoje, algumas das minhas amigas são as minhas alunas daquela época.” 

Foi nos corredores do Cristóvão que Carmen reencontrou e se apaixonou por Renan. Os dois já se conheciam desde os sete anos de idade, já que Renan morava em cima do cinema, enquanto Carmen vivia no prédio da frente. Nos anos em que ela estudou no São José, ele estudou no Carmo (em um tempo em que os dois colégios eram destinados à meninas e meninos, respectivamente). Os dois faziam parte do grêmio estudantil e, na década de 60, juntaram esforços dos dois grêmios para criar um coral e uma banda com os dois colégios. Até desfilaram juntos em um 7 de Setembro. Mas Carmen e Renan (que até então eram apenas amigos) perderam contato e passaram alguns anos sem se ver quando ele foi a Porto Alegre fazer faculdade. 

Foi então, ao lecionar no Cristóvão, que certo dia os dois se cruzaram novamente (Renan tinha sido chamado para lecionar Química). Eles começaram a passar tanto tempo juntos que a amizade, naturalmente, se transformou em amor. “Lembro que um dia eu cheguei em casa e disse: ‘Mãe, acho que estou namorando o Renan’”, conta. “Eu me apaixonei pela pessoa que ele é. Amigo e companheiro. Não tem ninguém que consiga brigar com ele. Eu conheci o homem certo.”

Eles se casaram em 1973 e a festa foi feita no salão do Clube Juvenil. “O Juvenil sempre esteve intimamente ligado à história da nossa família,” conta Renan. Os dois filhos do casal, Maurício, nascido em 1976, e Ana Paula, em 1978, sempre comemoraram seus aniversários no clube. Ana Paula, inclusive, debutou lá. A relação com o Juvenil, no entanto, é mais antiga. O tio de Renan foi fundador do clube, e o avô de Carmen, ecônomo do Juvenil. Carmen e Renan foram casal presidente do clube por duas gestões. 

Carmen sempre conseguiu equilibrar os eventos sociais com o emprego e com as tarefas de mãe (e quem é mãe sabe que este é um emprego 24 horas por dia). “Foi muito difícil, tive que me virar.” 

Além do Cristóvão, Carmen também lecionou no São Carlos, Santa Catarina e Cursão (onde hoje Renan é diretor). Ela já tinha uma rotina muito agitada quando, nos anos 90, aceitou uma proposta que a fez sair totalmente da rotina, assumindo a direção da escola Sílvio Dal Zotto. “Foi um desafio!”, conta. “Era uma escola muito pobre, com muitas dificuldades, e aceitei justamente porque queria um desafio.” A escola precisava urgentemente de um novo prédio, mas não havia condição financeira alguma para isso. Carmen conversou até com a secretária da Educação da época (“Tu queres a escola para quando?” perguntou ela. “Para ontem”, respondeu Carmen). Com ajuda do Estado, Carmen conseguiu com que a escola nova fosse construída em um ano. 

No ano 2000, uma das irmãs do São José pediu que ela desse algumas aulas no colégio. “Fui sem muita pretensão, porque elas precisavam de uma ajuda e eu gostava de dar aulas. Mas há 15 anos estou lá,” relata a profe: “Amo de paixão aquele colégio.”

Hoje, Carmen dá aula de Geografia para as 14 turmas do Ensino Médio do São José. E diz que sabe o nome de todos os alunos - ao menos os dos estudantes dos terceiros anos, já que esses ela conhece há mais tempo. Uma das partes favoritas do trabalho, é claro, são as viagens com os alunos, organizadas por ela. “São tantos anos de magistério que tem horas que eu penso que está na hora de parar, dar chance para o pessoal mais novo, mas daí eu penso, ‘O que eu vou ficar fazendo?’”

Mesmo trabalhando, ela ainda consegue visitar frequentemente os dois filhos que moram fora: Maurício, no Rio, e Ana Paula, em Londres. A filha teve uma menina, hoje com dois anos: Julie. “Juju”, como é chamada pela vovó, já é bilíngue, e são delas as fotos e os vídeos que enchem o Ipad de Carmen. Em uma das gravações, exibidas orgulhosamente pela avó, Juju (que, assim como muitas outras meninas, é fã do desenho Frozen), canta Let it go para a câmera. Nem precisa dizer que o vídeo é um dos preferidos de Carmen. 

Mais do que ser ligada à neta, marido, filhos e genros, Carmen era muito próxima da mãe. “Ela era minha amiga, companheira, confidente,” diz, ao contar que cuidou da mãe durante quatro anos após ela ter sido diagnosticada com Alzheimer. “A Carmen se dedicou de corpo e alma quando a mãe ficou doente. Ela sempre foi muito dedicada à família,” conta Renan. 

Ada faleceu este ano, meses antes de completar 99 anos. Recentemente, em 21 de agosto, uma das postagens de Carmen no Facebook homenageou a mãe, que sempre esteve ao seu lado: “O céu está em festa. Minha mãezinha completaria 99 anos. Com certeza a festa está grande junto com as amigas e meu pai,” dizia o post. 

No aniversário de 98 anos, no ano passado, toda a vizinhança do prédio foi convidada para aquela que foi a última festa de aniversário de dona Ada, organizada carinhosamente por Carmen. A professora conta que o pai sempre a ensinou que é preciso ser para os outros o que gostaríamos que fossem para nós. “Então sempre que eu posso ajudar alguém, eu ajudo.” 

E a ajuda ao próximo é sempre recompensada. No caso de Carmen, talvez isso tenha acontecido justamente nos últimos meses, quando ela mais precisou da família e dos amigos, que tanto valoriza: “Eles foram meu apoio”. 

Perfil publicado na Revista Acontece Sul em Setembro de 2015. Link original aqui: 

sábado, 15 de agosto de 2015

LADO B - JOÃO CARLOS MENEGHINI

Por Valquíria Vita


Mãe, esposa, três filhas e duas netas são os bens mais valiosos da vida do médico dermatologista João Carlos Meneghini  



João Carlos Meneghini é um daqueles homens que faz qualquer mulher sorrir – e que faz com que elas acreditem que ainda existem cavalheiros nesse mundo. O médico dermatologista, hoje com 72 anos, demonstra ser gentil, educado e preocupado. Aos finais de seus emails, ele anexa a foto de uma rosa. Ao final da entrevista, ele me ajudou a vestir o casaco (e perguntou se poderia fechar a porta do consultório, enquanto eu aguardava pelo elevador no quinto andar do Edifício Estrela). 

Meneghini também desculpou-se mais de uma vez pelo atraso de 10 minutos para conceder essa entrevista, explicando que atrasos não fazem parte do seu dia a dia. “Dei aula na universidade por 36 anos e nunca cheguei atrasado, em respeito aos meus alunos,” diz ele. 
Além da pontualidade, o perfeccionismo também parece ser uma de suas características. “Eu me encontrei na especialidade da dermatologia justamente porque sou muito perfeccionista,” explica ele. “Tudo nela está voltado para os detalhes, a partir deles que se faz o diagnóstico clínico. Se não fores detalhista e perfeccionista, podes não conseguir traduzir em diagnóstico o que uma manifestação da pele está comunicando.”

O consultório também comprova sua preocupação com o perfeccionismo: a sala decorada em tons claros tem uma mesa de vidro com duas rosas vermelhas e duas brancas – além de dois porta-retratos idênticos exibindo as fotos das netas gêmeas, Lívia e Laura. “Mas o senhor é virginiano?”, pergunto, acostumada ao perfeccionismo presente na personalidade de três bons amigos desse signo. “Não, sou de Sagitário, de 21 de dezembro,” diz, completando que a esposa, Miriam, é de 20 de dezembro, o que leva o casal a comemorar o aniversário junto todos os anos. 

Meneghini e Miriam vivem no Centro, bairro onde Meneghini nasceu e passou a infância. Filho de Adelina Segalla, hoje com 94 anos, e Nelson Antonio Meneghini, já falecido, Meneghini é o primogênito: depois dele vieram os irmãos Breno e Luiz Augusto. 

Na época da infância, lembra ele, a tranquilidade da cidade permitia que as crianças brincassem na rua, fazendo dessas as melhores lembranças desse período. O jovem cursou o Primário e Ginásio na Escola Normal Duque de Caxias e o Científico no Colégio do Carmo. 
Ele tinha um bom grupo de amigos que morava nas proximidades, e, com a chegada da adolescência, as brincadeiras na rua foram trocadas pelas emocionantes reuniões dançantes. Foi em uma delas, durante o aniversário de 15 anos de uma amiga, que o futuro médico conheceu Miriam. “Nos apaixonados,” conta Meneghini. “A Miriam sempre teve coerência nas atitudes e sempre foi muito decidida. Isto e mais a beleza que ela irradiava foram motivos do ‘engate’”. 

Nos início dos anos 60, no entanto, a paixão dos dois teve que lidar com um desafio: a distância. Meneghini mudou-se para Porto Alegre para cursar Medicina na Faculdade Federal do RS, e lá morou durante oito anos. Por mais que esse tenha sido um período de muita saudade, esse tempo é lembrado com muito carinho por Miriam. “A gente namorava e ninguém tinha carro na época. Ele vinha de Porto Alegre quando dava, de ônibus, e nesse meio tempo nos mandávamos cartas perfumadas. E era aquela espera pela carta todas as semanas. Foram anos de namoro assim,” lembra Miriam. 

Enquanto mantinha o namoro firme e forte através das cartas perfumadas, Meneghini dedicou-se extremamente a aprender o exercício da Medicina. Durante esses anos, ele morou em uma pensão com alguns colegas “Naquele período, Porto Alegre era romântica, uma cidade bem diferente do que é hoje. Adorei ter estudado lá. Cresci muito com tudo,” diz o médico. 
Meneghini formou-se em 1968 – lembra-se até o dia: 7 de dezembro. Após o período de residência, retornou a Caxias, onde casou-se com Miriam, em 1970. O casal teve três filhas: Andrea, que também é dermatologista e hoje trabalha na sala ao lado do consultório do pai; e as gêmeas Flávia, psicopedagoga, e Fernanda, enfermeira. Andrea é a mãe das gêmeas Lívia e Laura, oito anos, cujas fotos estão no consultório do avô. 

Entre os momentos mais memoráveis da carreira de Meneghini está o trabalho que ele desenvolveu logo ao voltar a Caxias, nos final dos anos 60. O médico foi responsável pelo serviço de prevenção do Mal de Hansen (lepra), na Delegacia de Saúde da cidade. Ele não apenas iniciou o serviço, como dedicou-se a isso por 35 anos. Meneghini também foi plantonista no Inamps (hoje INSS), onde chegou a assumir o cargo de chefia. 

Mas o marco mais significativo nas quase 50 décadas de Medicina é o período em que lecionou. Meneghini foi professor da UFRGS por um ano, e da UCS, por 36. “Lecionei desde a primeira turma de Medicina da UCS. Eu gostava muito,” diz, com ênfase no “muito”. “Eu me realizava demais. Dar aula te mantém atualizado, e eu estudava muito,” diz o médico. 

Hoje Meneghini é professor aposentado, mas diz ainda ser um apaixonado pela profissão. “Como professor, sempre tentei levar, ao lado dos ensinamentos, o respeito e a dedicação. Sempre considerei a dermatologia uma ciência de raciocínio, como toda medicina,” diz. 
Além de lecionar, Meneghini também considera o trabalho na clínica “fascinante”. O médico ainda recebe pacientes no consultório que mantém no Edifício Estrela desde a fundação do prédio, há 45 anos. “Eu pretendo trabalhar até quando for possível. Ainda estudo bastante, discuto problemas médicos com a minha filha dermatologista,” diz. 

Ele e a filha Andrea sempre saem do consultório por volta das 17h para buscar as meninas no colégio. “Ele é um pai e avô super preocupado,” conta Miriam. “As netas brincam que ele é o último homem educado, porque ele sempre faz questão de pegar pela mão.”

Meneghini também não poupa elogios às filhas e netas. “Sempre fui muito gratificado com as filhas que eu tenho. A educação de cultura italiana que demos, com rédeas curtas, trouxe bons resultados.” 
O consultório que hoje divide com Andrea não é mais a sua segunda casa, como foi por muitas décadas. O médico hoje atende apenas três vezes por semana. As quintas e sextas são reservadas para ele.

Entre os seus lazeres está a leitura, música (“Frank Sinatra, boleros e valsas, não é a música que vocês, jovens, gostam”) e seus cachorros (animais que o médico sempre fez questão de ter). 
Um lazer mais recente são os livros de colorir. “O senhor pinta para relaxar?”, pergunto, ao imaginar que esse seja o único propósito do hobbie. “Não relaxo,” diz ele. “Porque a pintura tem que estar sempre perfeita.”

Fica difícil imaginar momentos em que é possível concentrar-se para atingir a pintura perfeita, imagino. Afinal, Meneghini convive com nada menos do que sete mulheres: a mãe, a esposa, as três filhas e as duas netas. “Elas não te enlouquecem?” pergunto ao pensar em meu pai, que, com três mulheres na casa (e uma cachorrinha) já tem pouco sossego. “Não, me enlouquecem. Elas me protegem.”

Mas reza a lenda que um homem rodeado por sete mulheres vira lobisomem, conta ele. “Então de vez em quando eu me olho no espelho à procura de pelos na cara e orelhas pontudas”, brinca. 

Superstições e brincadeiras à parte, o médico diz que é muito tradicional. Orgulha-se dos 45 anos de casamento e tem uma filosofia de vida muito simples – e significativa: “A família é tudo.”

Perfil publicado na Revista Acontece de Agosto. Link original aqui. 

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Síndrome do Regresso_O impacto de voltar para casa depois do intercâmbio

Pode parecer loucura, mas a experiência de voltar para casa depois do intercâmbio pode ser tão intensa quanto foi a de sair de casa para viajar. Intensa, infelizmente, neste caso, não necessariamente significa boa.
O problema é tão sério que já está sendo chamado de Síndrome do Regresso. Sabe-se que enquanto o período para se adaptar em um novo país é de seis meses, o tempo para se reacostumar com o país de origem pode levar até dois anos. Mas calma. Eu superei essa síndrome bravamente duas vezes (em menos de dois anos), e, assim como eu, milhares e milhares de jovens brasileiros que tiveram de retornar às suas casas também sucederam.
Existe uma teoria, chamada Cultural Adjustment Curve, que explica que quando um intercambista chega no país novo ele passa por vários altos e baixos. O curioso é que o mesmo gráfico se aplica na volta para casa, afinal, você está se readaptando a uma cultura (mesmo que seja uma que você antes já conhecia e dominava). O mesmo processo ocorre da seguinte forma: primeiro a excitação, aquela fase em que você está muito empolgado para rever família, amigos, cachorros e comer a comida da sua mãe. Depois que o sentimento excitante da novidade passa, no entanto, começa a queda, a sensação de “ok, não quero mais brincar disso, posso voltar para os EUA agora?”. Os amigos já voltaram a estar ocupados e, em casa, já nem fazem comida tão especial assim para você.
Mas toda a queda tem um final, certo? Depois de atingir o “rock bottom”, como dizem os americanos, a tendência é que se inicie uma subida, e você, aos poucos, vai se reacostumando, vamos dizer, com a vida antiga.
O segredo é não entrar em desespero e não esquecer uma premissa muito importante (premissa, alías, que você pode levar para a vida em geral, na minha opinião): “Life only moves forward”, ou seja, a vida só anda para frente. Por mais linda e fantástica que foi sua experiência de morar fora, não faz sentido se apegar a ela a ponto de não conseguir tocar a sua vida de volta a seu país de origem.
Pense em voltar para casa como apenas mais um dos desafios do processo (que, como sabemos, os desafios começaram lá quando você estava tentanto empacotar sua vida em duas malas para vajar - ninguém disse que eles terminariam quando você voltasse pra casa e abrisse as malas).
O intercâmbio não acaba quando você volta para casa. Por meses (para algumas pessoas, anos) as lembranças daquele país vão acompanhá-la muito intensamente no seu novo dia a dia no Brasil. Algumas coisas que não te irritavam antes, na volta para casa começam a irritar, outras, não parecem mais ter tanta graça quanto tinham antes de você viajar.
Três coisas me incomodaram quando voltei para casa. A primeira delas foi a sensação de que eu havia perdido muita coisa. Alguns amigos tinham casado, outros tiveram bebês, minha prima cresceu e começou a falar. De alguma forma, eu me sentia injustiçada por ter perdido esses acontecimentos, mesmo sabendo que seria impossível ter estado lá e aqui ao mesmo tempo.
A segunda coisa que me incomodou foi justamente o sentimento contrário deste: a sensação de que tudo continuava exatamente igual. Percebia que minha família brigava pelos mesmos problemas que brigava antes (meus pais discutem diariamente pelo prato de salada há anos), que meus amigos conversavam sobre os mesmos assuntos, que os jornais davam as mesmas notícias sobre os mesmos problemas das mesmas ruas da mesma cidade. E, dentro de mim, tanta coisa tinha mudado que era muito difícil lidar com o fato de que isso não tinha acontecido com mais ninguém do meu convívio.
Finalmente, o mais difícil de lidar foi o fato de que ninguém realmente parecia se importar. Explico: desembarquei no Brasil pela primeira vez em 2013 emocionadíssima, cheia de novidades e histórias pra contar, além de muitas fotos para mostrar. E aqui, ninguém me perguntava quase nada! Quando perguntavam, era um “eai, como foi lá?”, uma pergunta tão vaga que um “foi bem legal” bastava para suprir a questão que provavelmente havia sido feita apenas por educação. Eu sentia como se tivesse tido uma vida totalmente diferente nos Estados Unidos, como se lá eu tivesse sido uma outra pessoa, e, chegando aqui, eu tive que dar tchau não apenas para o país americano mas também para aquela pessoa (que era uma pessoa bem legal, aliás). E isso doeu muito.
Sem saber lidar com todas essas frustrações, minha saída foi manter longos períodos de silêncio (e quem me conhece sabe o quanto isso é raro). Como eu sentia que quase ninguém se importava muito, eu comecei a parar de falar do intercâmbio. E durante vários encontros sociais eu adotava a cara de paisagem e nada falava. MInha mente, no entanto, nunca estava presente. Continuei chateada por vários meses com as pessoas por não se importarem com o que eu tinha vivido. E aqui, meus queridos leitores, é a parte que eu digo que eu não soube lidar bem enquanto passava pela Síndrome do Regresso. Porque esses sentimentos ruins só faziam mal a mim. E eu cheguei a passar por dias de tristeza e nostalgia tão intensas que comecei a pensar que não queria ter feito aquela viagem, só pra não ter que encarar tamanha fossa depois. Sim, hoje eu vejo que isso foi um sentimento covarde, tão covarde e estúpido quanto não querer se apaixonar por medo de se machucar no final do relacionamento.
Mas antes que você comece a pensar que a situação é pior do que realmente é, apresso-me a escrever que na segunda vez que voltei para casa do intercâmbio (já mais velha e sabendo o que me aguardava), em 2015, desembarquei de volta a Porto Alegre sem pretensão alguma. Apenas tinha dentro de mim a certeza de que havia vivido tudo o que queria viver, que havia feito amizades maravilhosas e visto lugares incríveis. E que isso realmente não importava a ninguém mais que não a mim.
Então a segunda volta foi linda e perfeita? Não. Mas aceitando algumas verdades (e diminuindo algumas expectativas em relação às pessoas), ficou muito mais fácil encarar a nova vida de volta para casa. E aqui, peço licença para citar Phil Dunphy, o personagem de uma série que adoro, Modern Family: “As coisas mais maravilhosas vão acontecer com você. Se você apenas baixar suas expectativas.”
Brincadeiras à parte, minha segunda volta foi muito, mas muito, mais tranquila (e bem menos triste). Passei apenas algumas noites sonhando com Pittsburg e acordando decepcionada por ter sido só um sonho, mas os pesadelos foram diminuindo gradativamente, assim como o sentimento ruim que os acompanhava.
O importante, intercambistas, é saber que é absolutamente normal levar um certo choque ao voltar para casa depois de uma viagem. Afinal, você passou por um período vivendo coisas extremamente diferentes das que estava acostumado, com outras pessoas, outro lugar, outra comida, outro clima, outra língua! O estranho seria se não houvesse um choque, né?

Portanto aí vão algumas dicas simples que podem te ajudar neste momento:

Número 1. Ocupe-se. Uma rotina agitada faz toda a diferença.
Número 2. Se mesmo depois de muitos meses de fossa, você ainda sentir que quer voltar (e tiver condições para isso), volte. Eu fiz isso e acabei tendo uma segunda experiência nos EUA ainda melhor que a primeira. Mas mantenha em mente um detalhe muito importante: você nunca viverá a mesma coisa duas vezes. No segundo intercâmbio, as pessoas serão outras e as vivências também. Just keep that in mind.
Número 3. “Saudade é o imposto que a vida cobra de quem foi muito feliz durante um determinado momento”, dizem. Eu hoje tenho nas fotos espalhadas pelo meu quarto (e em uma tatuagem no braço) o quanto fui feliz nas duas viagens para fora do Brasil. 
Só esse sentimento é suficiente para me fazer sentir gratidão até mesmo nos dias em que estou mais desanimada. Isso não é viver de passado, mas sim saber que todas as experiências que passei fizeram com que eu me tornasse uma pessoa muito mais feliz (e corajosa). E isso, pra mim, até hoje, faz toda a diferença.



Galera de Pittsburg que voltou para seus respectivos países em Maio deste ano, assim como eu. 




Se você por acaso já passou por algo semelhante ao que descrevi, caiu nesse blog por acaso, gostaria de compartilhar a tua história também, ou só quer dar um oi, me escreve (valquiria.vita@gmail.com), que o teu relato pode ajudar na pesquisa que estou fazendo sobre intercambistas =) 

segunda-feira, 20 de julho de 2015

LADO B - LUIZ CARLOS DE LUCENA

Por Valquiria Vita


Aos 73 anos, Luiz Carlos de Lucena prova que “viver em paz com todos” é sempre a melhor alternativa 

       Algumas pessoas têm a sorte de olhar para o passado e não sentir arrependimento algum. Luiz Carlos de Lucena é uma delas.
    “Eu faria tudo de novo, sem mexer” diz, aos 73 anos de idade, esbanjando histórias e deixando claro que ainda pretende ser protagonista de muitas outras. 
   Já que “escrever é viver duas vezes”, como ele mesmo diz, Lucena acumula em sua trajetória cinco livros publicados. “E a gente só escreve o que viveu”, diz. “Escrever é uma terapia, evita que tu penses bobagens.” 
      Lucena também adora conversar. É daqueles que não consegue ir para a rua sem encontrar um conhecido e parar por uns minutos para bater um papo. E, como todo bom tradicionalista, adora contar um bom causo. Em sua obra mais recente, “Apaguei a Luz do Vagalume”, ele conta vários. A natureza é personagem atuante nos seus textos e retratada de forma peculiar pelo autor, como nas primeiras páginas do livro, que dizem que “vestindo pijama pontilhado pelo brilho das estrelas, o sol prepara-se para o descanso da noite no berço do universo.”
     Tanta intimidade com a natureza tem origem na infância, vivida em Cazuza Ferreira, no 3° Distrito de São Francisco de Paula, ao lado dos três irmãos. Na época, uma das atividades preferidas de Lucena era fazer incursões na mata (que hoje, lembra ele, infelizmente, já não existe mais). Nessas expedições, Lucena recolhia vagalumes e os aprisionava em um pote de vidro, só para levá-los para casa e lá ficar a observar seu “incansável acende e apaga.” Sua mãe, Hilda, ao descobrir os vagalumes trancafiados, obrigou o filho a devolvê-los ao mato, originando, com isso, o título do livro que o guri escreveria muitas décadas mais tarde. 
     Hoje, Dona Hilda ficaria orgulhosa do filho, que, além dos livros, também contabiliza 30 anos como jornalista e 30 anos como assessor de relações institucionais. 
     Tudo começou quando Lucena, ainda piá, declamava uma poesia em um CTG em Canela, na época em que estava se iniciando o Movimento Tradicionalista Gaúcho no Estado. A boa oratória chamou a atenção do professor e locutor Elzaide Ramos, que o convidou para trabalhar na Rádio Clube de Canela. Depois disso, Lucena mudou-se para Caxias, em 1957, após ser selecionado para a vaga de radialista na Rádio Caxias. “Todo mundo começou na rádio Caxias,” conta ele. 
E, de Caxias do Sul, ele nunca mais saiu. Após apresentar diversos programas na rádio e tornar-se uma voz familiar na comunidade, Lucena ingressou na TV Caxias, Canal 8, tornando-se, também, um rosto familiar da comunidade. 
      Dos Anos 60 aos Anos 80, ele passou pelos cargos de locutor de cabine, chefe do departamento de pessoal, gerente comercial/executivo e apresentador do Jornal Hoje. Nos seus anos de televisão, Lucena colecionou memórias incríveis, como a de estar presente na implantação e realização da primeira transmissão de tevê à cores no Brasil, nos Anos 70, quando todos os olhos do país se voltaram a Caxias do Sul. 
     Após ter trabalhado em rádio e em televisão, Lucena passou a integrar a equipe do Jornal Pioneiro, onde escreveu semanalmente a coluna “Indústria e Comércio”. Depois, coordenou a UCS TV, Canal 15. 
    Além de todas essas funções, Lucena, com personalidade volátil e energia inesgotável, também prestou serviços de vendas em diversas empresas e fundou uma corretora de seguros, uma granja, uma empresa de embalagens e uma editora. 
    “Tu fizeste bastante coisa, hein?” pergunto. 
    “Mas com 73 anos... tem que ter feito, né?” responde ele. “É assim… Minha vida é dividida em dois ciclos: 30 anos em rádio, TV e jornal, e os próximos 30 anos na Visate (Viação Santa Tereza), onde sou assessor de relações institucionais até hoje,” diz Lucena, que agora é conhecido por muitos justamente como “O Lucena da Visate”. “Depois de ser jornalista, fui para o outro lado da mesa e uma atividade somou muito para a outra. Agradeço muito aos colegas do rádio, jornal e TV porque eles sempre mantiveram a parceria desde que eu fui para o lado institucional.”
    Lucena iniciou o trabalho da Visate juntamente com a criação da empresa, o que justifica seu comprometimento 30 anos depois. “E eu pretendo ainda trabalhar muito, enquanto a saúde me ajudar e eu puder ajudar a empresa,” diz ele, sobre seus planos. 
   Sua intensa atuação na cidade rendeu-lhe o título de Cidadão Caxiense e o troféu Associação Riograndense de Imprensa, ARI Serra Gaúcha. 
   “E a fruta não cai longe do pé,” conta a filha mais velha, Fabiana de Lucena, que decidiu ser jornalista apesar de os conselhos do pai para que não seguisse a mesma carreira (de muito trabalho e pouca valorização). “Mas eu ia na TV Caxias na época em que ele trabalhava lá, assistia ao Jornal do Almoço de uma janelinha que dava pra ver o estúdio e eu pensava ‘é isso o que eu quero fazer’,” diz Fabiana, hoje jornalista da prefeitura. 
     Para ela, o pai não é somente exemplo de profissão, mas também exemplo de como levar a vida. “Ele sempre levou a vida muito numa boa. Absolutamente nada tira ele de sério,” conta Fabiana. “E ele fez muitas amizades ao longo da trajetória de vida, amizades que ele valoriza muito.”
     Lucena também valoriza imensamente a família. Diz que considera os filhos “uma dádiva de sequência da vida, a continuidade da espécie, do clã.” Fabiana, Renata, Cláudia e Tiago são frutos do casamento de Lucena com Maria Helena, que durou 32 anos. “Os momentos mais felizes da minha vida foram os nascimentos de cada um dos meus filhos. Inclusive fui privilegiado com gêmeas, ou seja, dois nascimentos em questão de minutos,” diz o comunicador que já tem cinco netos, Bernardo, Clarissa, Henrique, Flávia e Laura. 


     Além de passar tempo com a família, a escrita também está entre seus lazeres. É a companheira, Eliana Casagrande (juntos há 15 anos), que o mais incentiva a escrever e publicar. Além de “Apaguei a Luz do Vagalume”, Lucena, membro da Academia Caxiense de Letras, também publicou “Do Meu Jeito”, “Do Meu Tempo”, “No Aconchego dos Meus Pelegos” e “Onde Amarrei Meu Peixe”. “Desse relacionamento (com Eliana), nasceram esses cinco livros,” brinca o escritor. 
      Lucena também se diverte com outras atividades, entre eles “comer no restaurante Danúbio e tomar minha aguinha batento terra com os amigos.” Ele e Eliana também gostam muito de viajar. “Ele tem um pé que é um leque,” diz a filha, Fabiana. 
      De menino do CTG com aptidão para falar em público a um dos mais conhecidos nomes da comunicação caxiense, Lucena diz que segue uma filosofia de vida muito simples: “Levar a vida com lealdade, simplicidade e humildade, preservando a família e os amigos e vivendo em paz com todos é o melhor que se tem.”



Perfil publicado no Lado B da Revista Acontece Sul _ Julho 2015. Link original aqui. 



sexta-feira, 12 de junho de 2015

Por que o Dia dos Namorados não deve ser uma guerra

Há muito tempo já que me incomoda entrar nas redes sociais no dia 12 de Junho. Isso porque o que se passa nesse dia fatídico é uma verdadeira guerra desnecessária.

Já estive dos dois lados (várias vezes), ou seja, já passei Dia dos Namorados namorando e já passei Dia dos Namorados solteira. Enfim, todos sabemos que os dois lados, estar solteiro ou estar namorando, trazem suas felicidades e suas tristezas.

Estar namorando ou estar solteiro são escolhas. Ou então são resultados das suas boas (ou más) escolhas, em ambos os casos.

O que me incomoda, dito isso, é a necessidade de os casais tentarem provar que estão muito apaixonados e a igual necessidade dos solteiros de provar que do lado deles está tudo uma maravilha também.

Por exemplo. Li um post no Facebook que dizia assim: "basta um print de Whatsapp pra muita gente ficar sem presente nesse dia 12 de Junho". Sim, basta um print, mas né... que maldade. Por que você faria isso?

Do lado dos seus amigos que namoram, você é bombardeado de fotos de buquês de rosas e hashtags clamando "um ano de felicidade". Gente. Tanto você quanto eu sabemos que é humanamente impossível que você só tenha sentido felicidade nesse um ano inteiro.

O Dia 12 de Junho é pra ser lindo. Não deve ser uma guerra. 

Abrace as suas escolhas e sinta-se feliz na situação que você está hoje (situação que você não precisa provar pra ninguém fazendo posts).


..


Pra quem está na irritação nessa sexta-feira, você pode sempre fingir que está nos EUA e mandar vibrações de amor pra todos os amigos, como eles fazem lá em fevereiro no Valentines Day.

Hoje eu acordei assim, nesse bom humor, e mandei mensagem de Feliz Dia dos Namorados para os meus amigos solteiros. Nem todos receberam com o mesmo entusiasmo, como fica claro nesse print.




Amo meus amigos!
Casado ou solteiro, aproveite esse dia com bom humor. Feliz 12 de Junho pra todo mundo =)


terça-feira, 2 de junho de 2015

O que te irrita e o que te anima quando você volta ao Brasil

Depois de alguns dias de volta dos Estados Unidos para o Brasil, decidi listar algumas coisas que tenho sentido aqui. Nada de drama nem nada, só algumas coisas que são super comuns para as pessoas que moram aqui, mas que para quem passou um tempão longe causam um certo choque. 


5 coisas que te irritam: 

1. O preço das coisas. Todas as coisas. O fato que custa 51 centavos pra mandar uma mensagem de texto. Assim... se eu continuasse mandando aqui a mesma quantidade de torpedos que mandava (de graça) quando estava nos EUA, eu gastaria muito, mas muito dinheiro em conta de celular. Eu não entendia porque esse povo do Brasil gostava tanto de Whatsapp, mas agora tudo faz sentido pra mim =D 

2. O trânsito. Juro pra vocês que tive palpitações no trânsito de Caxias hoje. Quando você sai de uma cidade que só tem plantação, UMA rua principal, e dois ou três carros andando nela, e você vai pra Sinimbu durante a tarde, é assim... meu Deus, me tire daqui agora. 

3. A burocracia. Pra tudo. Fiz um plano de saúde que só vai valer pra aqui um mês e uma conta de celular da Vivo que vai demorar 15 dias pra ser ativada. 15 dias, gente. Vivo é sempre exemplo de agilidade not. 

4. O tamanho das bebidas. São tão pequetitas! E nenhum garçom serve o teu copo de refri muitas e muitas vezes. Eles te dão um refri de garrafinha e um copinho de vidro de tamanho  ridículo. E deu. E você fica, ué, cadê? Tô com sede psicológica desde que cheguei. Quero copos gigantes, cheios de gelo, e com refill ilimitado. 

5. O frio que nem é frio. Faz 10 graus aqui em Caxias e já estão fazendo oooo drama. Gente, 10 graus positivos lá em Pittsburg e a gente tava feliz demais!


Coisas que te animam:

1. Como te abraçam e te beijam aqui. Os americanos não são exatamente pessoas que gostam de se encostar. Já os brasileiros... Em 5 dias no Brasil já recebi cota de abraço pros 3 anos nos EUA.

2. A comida! O fato que tem carne de verdade todo dia e as maravilhas que você encontra numa padaria! EUA só conhece frango, donuts e brownies, é uma depressão. Aqui é uma variedade maravilhosa.

3. Saber que você está na sua terra, no seu país, e que você não vai mais ser tratado como o estudante estrangeiro que fala com sotaque. Aqui você é só uma pessoa igual as outras e isso é surpreendentemente bom.

4. Ver todos os seus amigos de novo, e inclusive conhecer os bebês dos seus amigos que nasceram enquanto você estava fora. 

5. E por último, porém o mais importante de todos: rever toda a sua família, ver que todo mundo continua falando junto, gritando, te beijando, te xingando e te amando, tudo ao mesmo tempo. E rir ao perceber que tudo continua absolutamente igual a quando você saiu. 


sexta-feira, 17 de abril de 2015

Dissertação de mestrado: você também pode sobreviver a essas 7 fases

          Tem coisas que você termina e não sabe como. Só sabe que você termina e nada mais importa depois que isso acontece. Até hoje, por exemplo, eu não sei como tirei carteira de motorista. Em nenhuma das aulas da auto-escola eu consegui fazer aquela baliza e estacionar o carro direitinho entre duas vagas. No dia da prova prática ninguém realmente acreditava que eu ia passar (nem mesmo minha instrutora.. me lembro da cara dela até hoje). Eu, especialmente, não acreditava que ia passar. Com todas as chances contra mim e minha (falta de) habilidade como motorista, eu fiz a prova. E o carro, como por milagre, encaixou direitinho. Passei.  Só o que importava depois disso era o sentimento de ter conseguido passar por isso.







          Algumas coisas, até mesmo coisas que você achava que poderiam ser impossíveis, às vezes, acabam terminando bem. Esse ano, meu exemplo disso foi minha dissertação de mestrado. Sempre achei muito chato aquela galera que ficava se queixando no Facebook sobre o quanto era cansativo escrever uma dissertação. Tudo o que eu pensava era que ninguém é obrigado.. se você foi lesado o suficiente pra entrar numa loucura dessas.. dê um jeito de sair dela com dignidade e sem reclamar. 
          Só que óbvio que quando eu estava fazendo a minha dissertação eu cheguei ao ponto que estava reclamando também, e a sentir que passar por isso seria uma tarefa tão improvável quanto a de ter estacionado aquele carro na auto-escola. 
          A Joy, uma amiga de Taiwan que ficou muito próxima porque também estava passando por isso com a dissertação dela, sempre me fazia rir quando refletíamos sobre o porque de termos escolhido fazer isso. Aqui nos Estados Unidos não é como no Brasil, onde você TEM que fazer a dissertação (e aqui eles chamam de thesis, não dissertation). Eu tive três opções (as outras duas eram MUITO mais fáceis), e por algum motivo psicológico, necessidade de superação pessoal (não sabemos bem pq, já que somos Communication major e não Psychology major), eu e a Joy escolhemos a opção da dissertação.
          Durante uma das semanas finais de desespero, a Joy fez a perfeita comparação: escrever uma dissertação (ou uma tese, como queiram), é como esquiar pela primeira vez. No meio do caminho você empaca e você entra em desespero. "Mas eu tenho que continuar esquiando até chegar no final! Não há outra opção" você pensa. 
          E foi isso o que fizemos. E chegamos no final. Não sem antes passar pelas seguintes fases:

1. O começo: a fase que ninguém acredita muito na sua pesquisa. Ralei muito até fazer todo mundo acreditar que o Facebook era do mal e deveria ser estudado. 

2. A fase "nossa, tem muito tempo ainda até a data da entrega": vamos relaxar aqui e ver um Netflix (comecei e terminei 3 seriados diferentes nessa fase).

3. O começo do fim: "Meu Deus, Joy, faltam 16 dias para a data entrega". 

4. Palpitações-choro-fuck this shit: Essa é a fase que vai depender de cada pessoa: um professor me disse que teve palpitações e teve que ir para o hospital (eu ri na época, mas depois acreditei que é super possível isso), uma amiga (que não posso contar quem) tinha crises de choro antes de dormir, e eu, nessa etapa, já estava na fase "agora seja o que deus quiser". 

5. A última semana: depois de ter passado mais tempo na biblioteca do que no seu próprio apartamento o semestre todo, você quer fazer QUALQUER coisa que não seja escrever sua tese. Eu passei por momentos que ficava vários minutos encarando a parede da biblioteca aqui da Pitt State, só porque até isso era mais legal. Eu olhava pro chão de carpete e pensava, eu quero deitar aqui, agora, e dormir (minha mãe ficou com muita pena de mim quando eu estava nessa fase). Nessa fase também parei de fazer as unhas, porque não tinha mais tempo nem disposição. E cogitei ir pro Grand Canyon, de carro (o que demora 16532891 horas), no final de semana antes da entrega (não rolou, porque voltei a sanidade a tempo). 

6. Nessa última semana também começa a fase tipo Jogos Vorazes, onde você vê os outros participantes, caindo fora, um a um. Pelo menos três amigos meus desistiram de entregar a tese, porque viram que, simplesmente, era impossível terminar a tempo. 

7. A melhor fase: Você acaba a tempo. E entrega. E quando isso acontece, a sensação é indescritível. Sabe quando você quer muito pegar uma pessoa? Aquela pessoa que você quer há muito tempo.. E daí você pega e pensa "nossa, vitória". Eh isso. Só que 10 mil vezes melhor. Na primeira noite que estava livre da tese, fiquei tão relax que assisti três horas de vídeos toscos no YouTube. Na segunda noite, eu saí pra beber. Na terceira noite, eu saí pra beber com a Joy.  

          Nossas lições de hoje, portanto, são as seguintes: 

Nunca deixa alguém te convencer que você não pode fazer alguma coisa que você quer, nem que você não saiba explicar por que você quer fazer aquilo. Se você quer, você vai lá e faz (e termina) e não precisa se preocupar em agradar ninguém (só a sua banca da dissertação, isso é muito importante). 

Nunca desista. Nem quando você começar a ver os outros desistindo. Vai por mim, o sentimento de conseguir terminar uma coisa muito difícil vale muito mais a pena =)



semanas finais. muita vontade.



a prova que trabalho duro sempre vale a pena =)

Joy