sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Selfie: um grito por atenção

Publicada na Revista MyLevel Mag em dezembro de 2014.



Vivemos uma época em que parece mais interessante apontar a câmera para si mesmo do que para tudo o que está ao redor. Como, afinal, criamos esse hábito narcisista?



Por Valquíria Vita
valquiria.vita@gmail.com

“Duck face. Não, já fiz essa semana passada. Cara de séria. Hum… melhor não. Rosto para o lado. Não, desse jeito o meu nariz não fica bom. Sorrindo! Assim posso usar aquele novo app para clarear os dentes. Já aproveito e apago as olheiras. Ai, será que esse é o melhor filtro? Será que vão curtir? Ai, droga, não teve muitas curtidas. Vou apagar. Amanhã tento de novo de um novo ângulo. E talvez duck face. Aí sim vão curtir”
Selfies, a marca registrada de uma geração, tornou-se um fenômeno tão comum - e difícil de ignorar - que virou até palavra oficial no dicionário Oxford. Depois de 2010, quando os celulares começaram a ser fabricados com câmeras frontais, as selfies tornaram-se uma febre. Você pode tirar 200 fotos de seu próprio rosto, apagar se não gostar de nenhuma e tornar pública através das redes sociais aquela que você se achou mais atraente.
Depois, é só esperar ansiosamente pela gratificação (esperada, mesmo que inconscientemente, após qualquer ação humana). Num mundo onde o virtual é quase mais importante que o real, as recompensas, nesse caso, são quantos likes a selfie vai ter. Se muitas pessoas curtiram, você obteve sucesso na sua missão, e termina o dia se sentindo bem. Se a foto teve poucos likes, você se sente mal, feio, sua autoestima cai. Entra-se assim em um ciclo sem fim em busca de validação e de aceitação, que pode se tornar um perigoso comportamento alienado, e, mais do que tudo, narcisista.
O conceito de obsessão - não por uma outra pessoa, mas por si mesmo - está relacionado a muitos estudos sobre selfies e mídias sociais. Um desses estudos, publicado esse ano pela Psychology Today, mostrou que tirar selfies pode chegar ao ponto de ser destruitivo para a saúde mental de um indivíduo, levando-o a apresentar tendências narcisistas, baixa autoestima e busca constante por atenção.
Nessa selfie obsession, entram anônimos e famosos. O ator James Franco é apontado como um dos campeões do autorretrato em sua conta do Instagram. O jogador Neymar também ganhou notoriedade por isso - não levou o Brasil para a final da Copa do Mundo, mas exibiu uma quantidade invejável de bonés de marca em inúmeras selfies postadas em sua conta, e ganhou dezenas e milhares de seguidores. Sua namorada, Bruna Marquezine, que posta fotos igualmente narcisistas (e que recebem quase a mesma quantidade de curtidas do namorado jogador), é a rainha do duck face - e boatos dos bastidores já diziam que ela atrasava as gravações da novela Em Família por estar sempre procurando o melhor ângulo para conseguir aquela selfie.
Tirar uma boa selfie dá trabalho e exige uma certa disposição, como fica claro no relato que abre essa matéria. “Eu não me importo em fazer ‘malabares’ para conseguir uma boa selfie. O que vale é que ela fique boa e que as pessoas gostem. Por mim eu colocaria minha selfie mais bonita até num outdoor,” revela Roque Greco Jr, ator e estudante de Porto Alegre, que diz que gosta muito de passar tempo “selfiando”, como ele mesmo denomina o hábito.
Para Greco, selfies são uma forma de exposição e exibição. “Quando as minhas selfies têm varias curtidas, até mesmo de gente que eu nao conheço, isso acaba me deixando confiante.” O contrário, no entanto, acontece quando ninguém curte. “Eu procuro logo postar outra selfie melhor, que dê mais curtidas,” conta Greco. Caroline Lain, estudande de Caxias do Sul que também tem a conta do Instagram e Facebook recheada de fotos dela mesma, compartilha da mesma insegurança. “Se não curtem eu penso que é porque a foto está feia, e às vezes eu apago mesmo. Fico com vergonha,” diz ela.
Caroline faz parte do grupo que mais tira selfies, segundo um estudo intitulado SelfieCity: as mulheres. Após analisar mais de 3 mil imagens em Nova York, São Paulo, Berlim, Bangcoc e Moscou, os pesquisadores constataram que mulheres fazem mais selfies do que homens e que elas tiram a foto de um ângulo mais alto para mostrar o próprio corpo (seios, de preferência = garantia de mais likes).
Há quem critique a prática, como a jornalista Carol de Barba, que não aprova o povo que faz selfie para mostrar (para quem quer que seja) “que está gatinho/look do dia/ostentação.” A selfie, segundo Carol, pode ser uma péssima estratégia de marketing pessoal, já que o indivíduo coloca-se no centro do universo: “narcisista, individualista, egoísta, acostumado com o sucrilhos no prato,” diz ela. “Um Instagram lotado de selfies tende a ser tedioso e egocêntrico. Demonstra que em vez de olhar para o mundo de um jeito interessante e único, o dono da rede social só sabe olhar pra si mesmo. O problema da poluição visual na timeline é fácil de resolver, é só dar unfollow. Difícil é mudar a tua imagem pra quem ficou com essa impressão.”
Da próxima vez que você decidir apontar a câmera para si mesmo, portanto, tente deixar de lado a ideia dos likes que você vai ganhar. E comece a pensar no que você pode estar perdendo.

domingo, 23 de novembro de 2014

What are you thankful for?


Each person has his or her own way to deal with pain.
After something bad happens, some people dive into work. Others cannot stop eating and others prefer drinking.
A few months ago, after I went through a breakup, I refused to dive into work, food or alcohol. Instead, I decided to handle my sadness with reading.
I’ve always been critical of self-help books, but at the time, I must admit that it was one of these self-help books I read that helped me to get through what I was going through. Especially because one of the challenges proposed by the author was that, each day, regardless of how I was feeling, I should write down something I was thankful for.
With great reluctance, I started the task.
The secret, apparently, is stop complaining about what you don’t have and start appreciating what you do have. Sounds horribly cliché, but it makes all the difference (and probably explains why self-help books sell so well).
The best part is that even on really bad days, when you think your life sucks, you should be able to find things to be thankful for.
According to that author, in these dark days, you can focus on basic things, like being thankful for the clothes you are wearing, or for the food you are eating, since pretty often we forget about the thousands of people who have nothing to wear or eat.
As time went by, it became easier for me to find new things to be thankful for. It also became clear that being happy is a lot easier than being sad. And today, I am thankful for that silly self-help book that helped me — and thankful for time, which is the only thing that heals almost everything. If it doesn’t heal completely, at least it makes you feel a little bit better.
With Thanksgiving approaching, I propose we take some time off the complaints and start thinking on the bright side of things.
I am not going to lie here, I cannot stand people who are positive 24 hours a day (especially when they want to show this on Facebook). To me, it is humanly impossible to be positive all the time. Still, I strongly believe that most of the time you can choose between whining about something that is not working, or focusing on what is really going well.  
Do you hate snow days because it’s hard to drive? OK, that is understandable. But think of the majority of our international students, who don’t own a car and need to walk or ride their bikes to school (and to the bars), even when the temperature is in the lower 30s. That sucks more than driving in the snow, trust me.
It’s the end of the semester and you have a gigantic amount of assignments to do? Of course you do. So why not just try to be grateful for another semester that is coming to an end? That means one step closer to our graduation day. One step closer to become part of that small percentage of the population that finishes college.
So at least for this Thanksgiving break, no matter where you are going to be or what you are going to be doing, try to embrace the self-help book cliché, like I did, and dedicate some time to do only one thing: being thankful.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Prince charming is not coming

Posted by  on Friday, October 24, 2014 · 



When I was a kid Sleeping Beauty was my favorite Disney classic.

I thought the idea of falling into a deep sleep until a gorgeous prince woke me up with a kiss was quite wonderful. Those were the kinds of references I grew up with: Aurora sleeping and waiting for the prince to start living; Snow White, doing pretty much the same thing; the Little Mermaid, who even changed who she was to be with the man of her dreams and Cinderella, who just asked for a night off and a dress, but ended up in love with a prince who changed her life.







When I got a little older, people started telling me the ugly truth: that prince charming didn’t exist. Even though everybody knew something was wrong with these Disney classics, during my adolescence and adult life I was repeatedly exposed to innumerous romantic movies that looked a lot like those old stories. The plot was always the same, with the main female character having a single purpose in life: finding the right guy.
I realized that the romantic movies I watched almost 20 years after watching Disney classics, still show the same role models of women: sweet, naive, gentle, submissive and patiently waiting to be rescued.

It’s like their whole journeys are directed to that, their entire lives would just start making sense when this “perfect” man appears, giving meaning to their existences and becoming the sole source of their happiness.


Even in Sex and the City, in which the main characters are successful women with the coolest friends and exciting lives, the conversations among Carrie, Samantha, Miranda and Charlotte are always around finding the perfect man.


Fortunately, today’s girls are growing up with some better references. Take “Frozen,” in which the central theme is the relationship and difficulties of the two sisters, “Brave,” in which princess Merida is determined to make her own path in life and even “Maleficent,” a story about resilience (since Angelina Jolie’s character needs to recover from a heartbreak from a guy who turned up not being prince charming at all).


All of these new models can contribute to change girls’ views about the real world and relationships and to avoid future frustrations. It is important to stop with the stereotype of the passive and vulnerable princess. And to go beyond saying “prince charming does not exist.” A girl should be thought that life is bigger, even though she might end up finding the right man at some point of her life, she must keep in mind that the only person responsible for her happiness should be herself.


quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Remembering Nikki Patrick

Posted by  on Friday, October 24, 2014 · 

I met Nikki Patrick a month ago. She had called me the day before to schedule an interview for her daily profile, Patrick’s People, in The Morning Sun newspaper. On the day of the interview, a small and fragile woman slowly walked through the Overman Student Center, using a portable oxygen tank and wearing a kerchief on her head. I was expecting a reporter and a photographer, but Nikki arrived alone. She told me after the interview that she had even driven her own car there.
Nikki Patrick was a reporter for the Morning Sun for 47 years. She passed away on Monday, Oct. 20.

During 20 minutes, Nikki asked me some questions about my life, but most of the time, she just let me speak. As a reporter, I couldn’t help but notice her messy handwriting (typical of us reporters). As a first-time interviewee, I was kind of worried if she was actually going to understand all of that back to the newsroom. After we talked, she chose a good spot outside to take a picture of me. She took a small digital camera out of one of the bags, and after only two shots she said she was done.
Before we say goodbye, I asked her how long she has been writing for the paper, and her answer was an incredible 47 years. 

That was the first and the last time I talked with Nikki Patrick.
A couple of days later, my profile story was published without a single mistake. Everything was exactly as I told her, word for word. Even the photo, taken so quickly, was great. I was so proud that I sent copies of the page to my family and friends in Brazil.
I’m telling you of this experience to show how a few minutes of Nikki Patrick’s work impacted my life and the life of my loved ones. So just imagine, in her 47 years as a reporter, how many lives she touched, not only in this community, where she was born and raised, but beyond.
We are told that we need to find a passion in life. If you actually find it, you won’t need to work a single day of your life because work will be a pleasure. Nikki definitely found this passion, which was telling other people’s stories. She published her last column on Wednesday, only four days before she died Monday morning after a long battle with breast cancer. She was 68 years old.
Nikki is no longer here to introduce people to one another in Patrick’s People, and her presence will surely be missed in this town. But memories of this outstanding reporter will be forever held in all of the lives she touched in these 47 years.


quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Em busca da coroa: quando eu concorri a rainha da faculdade

          



          Dizem que você nunca viveu uma experiência americana completa até ter concorrido a rainha da universidade. Tá, não dizem isso. Eu que comecei a dizer, depois dessa semana. 

           Há uns meses eu decidi seguir a máxima "diga mais sim do que não", e estou levando isso muito a sério. Dito isso, numa linda noite, menos de 12 horas antes do deadline pra entrega das inscrições para rei e rainha da Universidade de Pittsburg State (onde faço mestrado), o meu vizinho bateu na minha porta  e soltou a seguinte frase: "Val, você quer ser rainha?". O Igor é do Cazaquistão, e eu e ele, além de morarmos no mesmo prédio, estamos juntos na International Student Association, que representa os 500 alunos estrangeiros que temos no campus. Seguindo a minha máxima, portanto, a minha resposta foi "sim, por que não?". Confesso que não medi os prós e contras na hora, e depois de apenas um dia começou a me bater um arrependimento - porque todos os meus amigos do Brasil começaram a me zoar muito. Mas daí não tinha volta, e eu pensei que, como a oportunidade tinha, literalmente, batido a minha porta, era melhor encarar como mais uma história pra contar. (tipo a história de quando atravessamos sete estados de ônibus popular, ou a de quando morei na frente da casa do traficante de metanfetamina, ou a de como o Spring Break mais louco da história acabou em lágrimas, e assim vai). Adoro minha lista de histórias dos EUA =) é praticamente uma tragicomédia. 


Eu e o Igor em nossa primeira foto oficial lol com o fundo de bandeira americana 
só pra constrastar com nossas nacionalidades exóticas


         O Homecoming é uma grande tradição americana. Nas faculdades, é uma semana de muitos eventos, que acabam com um desfile, tipo 7 de setembro, na maior rua da cidade (no caso da pequena Pittsburg, a única rua, que pretensiosamente se chama Broadway). Um rei e uma rainha são escolhidos como Homecoming king e queen, e os concorrentes são dois representantes de cada organização do campus. E os escolhidos têm a função de representar a faculdade por um ano. É diferente do Homecoming dos colégios, que acaba com baile, aquela coisa que vemos na TV.

          Confesso que eu aceitei concorrer a rainha na brincadeira mesmo, "ha ha ha concurso de rainha, que coisa de filme", eu pensei, "isso vai dar uma matéria engracada pra qualquer revista ou jornal que quiser comprar"... até pensei na ironia na pessoa que passou a vida na terra da Rainha da Festa da Uva (Caxias) pra acabar se metendo num concurso de rainha no meio do Kansas... só que o que aconteceu, confesso novamente, foi que eu comecei a entrar tão de cabeça no negócio, e tomou tanto do meu tempo e esforço que chegou um dia que eu estava "quer saber? eu quero ganhar essa coroa também". 

          Não ganhei (spoiler alert), mas o espírito de competitividade tomou conta de mim. Eu aprendi muitas coisas com esse concurso (e isso não é papo de candidata). Aprendi que gosto mais de competir do que pensava, que posso falar em público sem desmaiar, e que posso até andar de salto de uma forma elegante. E aprendi que o Homecoming não é um concurso de beleza e popularidade bobo como eu pensava no início - e como talvez muitos estejam pensando agora (espero, ate o final desse texto, fazer voces mudarem de opiniao). É uma tradição muito significativa pra cidade toda, e eu realmente acabei me sentindo feliz por ter tido a chance, como uma brasileira, de estar representando todos os outros internacionais do nosso campus. Diferente das outras 25 candidatas, eu não sonhava com isso desde pequeneninha, mas, super por acaso, acabei tendo a chance de viver isso também - mesmo não sendo nem parte da cultura que eu fui criada. 



         Mas vamos ao concurso. Depois que eu disse sim pro Igor, nós tivemos de entregar nossos currículos com notas, empregos, posições de liderança, envolvimento no campus e trabalho voluntário que tínhamos feito. Dessa seleção de mais de 50 participantes, eles selecionaram 36 candidatos (aquela minha vontade de vencer começou a ser alimentada nesse exato momento). 




          O próximo passo foi exaustivo, mas bom. Um domingo todo de entrevistas pessoais com 9 jurados de Pittsburg. Cada jurado fez perguntas durante 10 minutos, a maioria delas sobre como diabos vim parar em Pittsburg, Kansas (thanks, UCS), quais meus planos pra daqui a 5 anos, e o que eu faço pra fazer dessa cidade um lugar melhor. 

          Se tem algo que eu aprendi morando já há dois anos nos Estados Unidos é o quanto o desempenho acadêmico é importante e, (igualmente importante) é o quanto você se envolve nas atividades fora  da sala de aula, como organizações e trabalhos voluntários. Amo estudar aqui por causa disso: estou envolvida com a Pitt State e a comunidade praticamente todos os dias da semana - sempre me incomodava muito durante os meus anos como aluna da UCS, que apenas íamos pra aula e pra casa, e a universidade acabava ali, naquelas duas horas por dia. Aqui existe um amor pela universidade e um senso de coletividade muito grande, e eu realmente adoro isso. As pessoas amam, sério, AMAM, a faculdade. Tem que ver em dia de jogo, é inexplicável. 

          Eu, além de ir pras minhas aulas, dou aula, escrevo pro jornal e pro anuário e faço trabalho voluntário no asilo e numa escola. Porque aprendi também, que em um intercâmbio, quanto mais você se ocupa, menos saudade você sente de casa - e falei isso tudo pros jurados e eles acharam muito interessante. Foi um dia falando tanto que eu saí de lá zonza. 




Eu e Igor no dia que nos apresentamos para alguns dos internacionais,
 pedindo o apoio deles caso chegássemos à etapa de votação


parecendo muito calmos (look by Mel)


          Uma das coisas mais legais dessa semana, confesso, foi que foi uma semana inteira de usar vestido, se maquiar e arrumar cabelo. E minhas queridas amigas foram as melhores, abrindo seus closets pra mim. 




Minha primeira vez de terninho e pérolas - look by Carol






          Passadas as entrevistas, tivemos um dia de apresentação, no qual eu tive que usar salto (que não usava desde minha formatura, ou seja, 2011), e eu já estava tensa só por esse fato. Em minha mente eu imaginava mil situações constrangedoras - que quando eu fosse chamada no palco eu iria cair da escada, ou então que eu pegaria o microfone e não lembraria mais como falar inglês, que fariam comigo que nem fizeram com a Carrie, que eu desmaiaria ou vomitaria (esses medos básicos que eu também tinha no primeiro semestre que dei aula aqui). Só pensava que eu me embaraçaria tanto ao ponto de virar video campeao de views no YouTube.

          Óbvio que nada disso aconteceu, e o dia da apresentação foi muito tranquilo. Tivemos um jantar antes. Aqui no Kansas, quando eles dizem que vai ter um jantar chique, voce pode esperar o que tivemos: batata recheada. Voce ganha uma batata cozida inteira, abre ela com uma faca, e coloca nela uma variedade de tudo o que ha de mais gordo, desde queijo e bacon, a diversos tipos de manteiga que voce nem imaginava que existe. Muito sofisticado.  Foi bom esse tempo com todos os candidatos porque deu pra conversar com vários deles e sentir que todos estavam igualmente nervosos em relação à apresentação. Mesmo que, pra todos eles, inglês não era a segunda língua. Na nossa mesa, depois que a gente comeu as finas batatas, começamos a pesquisar no celular algumas perguntas do Miss America edições passadas que poderiam ser similares às perguntas feitas a nós na hora, e ficamos ensaiando e rindo. Isso ajudou. 

          Depois, nos colocaram num ônibus escolar (daqueles amarelos, de filme - porque essa semana foi a campeã dos clichês), e nos levaram pro auditório da apresentação. Sentamos no palco (os 23 reis e as 26 rainhas), e, um a um, éramos chamado lá na frente, pra responder duas perguntas-surpresa. O auditório estava muito lotado, porque as pessoas aqui adoram esse concurso, mas eu estava tão focada naquelas possíveis perguntas, que nem a quantidade de caras intimidadores das fraternidades presentes me deixou nervosa. Nem mesmo o cara sentado do meu lado, que estava surtando, me afetou (ele acabou eleito rei, depois). E eu nem conseguia ver meu coração pulsando e balançando a blusa, como normalmente acontece quando eu fico muito ansiosa pra algo. Dessa vez, por algum motivo, tudo estava ok. 
          
          Até, claro, o momento em que fui chamada. Tudo desligou. Eu não ouvia mais as pessoas gritarem, eu nem ouvi a minha própria voz. A Ale tinha me dito que na vez dela, ano passado, tudo ficou preto, entao eu estava agradecida que ao menos eu ainda tinha visao. Respondi uma pergunta sobre as mudanças que gostaria de ver no campus em 25 anos e depois uma pergunta sobre qual filme seria a minha vida, se eu tivesse de escolher um. Nessa segunda pergunta nenhum filme vinha a minha mente, sem ser Titanic. Apesar de eu DAR AULA sobre filmes, eu tive um branco total sobre qualquer produção cinematografica que não fosse Titanic. E, como não fazia sentido algum eu comparar minha vida com um navio afundando - pelo menos não no momento - eu acabei dando outra resposta, que seria um filme de uma brasileira e que escolheriam uma atriz brasileira pra me representar por causa do sotaque. De alguma forma, os americanos acharam essa parte engraçada, e a minha audição, a essas alturas, tinha voltado a funcionar, então até escutei as pessoas rirem. O objetivo era responder bem a primeira pergunta e conseguir ser engraçado na segunda (e você achando que era fácil ser candidata a rainha hein?). Gente, não é fácil ser engraçada. Em público. De salto. Em inglês. 


eu no momento fatídico. click por Mel,
obrigada por registrar isso para a posteridade
          



com a candidata do ano passado, e também minha melhor amiga, que me ajudou em tudo, desde a ensaiar respostas, emprestar sapato e dizer "você nunca mais vai querer fazer isso na vida"



         Mas teve gente que se saiu muito bem nessa apresentação. Todos os candidatos estavam muito preparados para essas perguntas - e para falar em público (teve gente que se preparou desde o ano passado pro concurso. Tinha gente, aliás, que estava concorrendo pela segunda vez). E mesmo que eu e o Igor não tenhamos ido mal (ou pelo menos não tenhamos passado fiasco), acabamos não ficando entre os top 6 finalistas, que foram anunciados naquela noite. 


Com Mel, também de Caxias



no dia da coroação, com Igor e Stephanie, que é
nossa coordenadora do International Student Association

           De qualquer forma, valeu 100% a pena. Nunca mais fico com medo de falar na frente dos outros depois daquela noite. Dar aula virou moleza agora. Pro pessoal do International Office aqui, somos rei e rainha mesmo sem termos ganhado o título, como eles nos disseram depois. E valeu por pelo menos termos mostrado que quem não é americano também têm bom curriculo, boas notas, e sabe se dar bem em entrevista e em apresentação. Ainda tem muito preconceito e estereótipo aqui. Uma das candidatas americanas, no final daquela apresentação, me disse "nossa como tu respondeu bem, eu estava com medo que tu não iria entender as perguntas!". Então acho que pelo menos a nossa participação serviu pra mostrar que nós sabemos falar inglês. 

          Brincadeiras à parte, pra mim, pelo menos, o concurso serviu pra mostrar que realmente, a vida é muito mais divertida quando você decide dizer mais sim do que não =)     Mais uma história pra minha lista, check. 



as top 6



nós e o anúncio da vencedora



a rainha e o rei =) 


          Abaixo, as fotos da parte MAIS LEGAL da semana, quando eu e o Igor desfilamos de Harley Davidson abanando pras pessoas da cidade. Inesquecível (igual diria uma embaixatriz da Festa da Uva). 







sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Lado B - Luiza Horn Iotti

Perfil publicado na Revista Acontece em Agosto de 2014. 

Link original aqui 



Por Valquíria Vitta

Influenciada por uma grande professora, a jovem que queria estudar arquitetura em Porto Alegre virou uma conceituada historiadora de Caxias

As bonecas que Luiza Horn Iotti ganhava dos pais quando criança teriam ficado intactas – se não fosse pelo fato de que seus três irmãos mais novos, Leon, Eduardo e Carlos Henrique, adoravam aprontar com elas. Luiza não se interessava nem um pouco pelas bonecas. Também não conseguia se sentir à vontade nas aulas que seus pais a matricularam, tentando dar a ela uma educação diferenciada da dos irmãos. Enquanto Luiza dançava ballet na Dora, os meninos jogavam futebol. Enquanto ela aprendia a tocar piano, eles se divertiam descendo morros com carrinhos de lomba. “Eu preferia muito mais as brincadeiras de menino, subir em árvore, ficar na rua. Boneca e piano não eram pra mim.”
A solução foi matar toda essa vontade de brincar na rua com um grupo de amigos da Alfredo Chaves, rua onde morava. As crianças ficavam até muito tarde brincando ao ar livre – vantagem permitida pela tranquilidade do Centro de Caxias na década de 60.
O fato é que a menina espoleta que vivia ao redor dos meninos acabou se tornando uma ótima aluna na escola.  Começou a ler e escrever aos quatro anos de idade, antes mesmo de entrar no colégio, e, durante todo o período em que estudou, se mostrou uma estudante muito aplicada. Gostou tanto de ler que decidiu que queria ensinar, e acabou virando professora. Hoje, aos 57 anos de idade, Luiza já tem mais de três décadas de experiência em sala de aula, vários anos de pesquisa acadêmica e quatro livros lançados, além de estar à frente do Instituto Memória Histórica e Cultural da Universidade de Caxias do Sul.
Luiza nasceu em 23 de outubro de 1957 e é a filha mais velha de Silvestre Iotti e Zoé Maria Horn Iotti. Quando criança, tinha duas amigas inseparáveis, com as quais mantém a amizade até hoje: Eveline Corsetti e Taísa Menegotto. As meninas passavam muito tempo na empresa de uma tia de Luiza, Cora Kunz, e foi lá que, muito cedo, ela conheceu as letras e as palavras. Luiza aprendeu a ler e a escrever observando um funcionário gravá-las nas caixas que embalavam os produtos.
Os pais de Luiza conseguiram que a menina entrasse na primeira série do colégio Presidente Vargas, aos cinco anos, após passar por um exame. Depois, Luiza frequentou a Escola Normal Duque de Caxias e o Cristóvão Mendonza. Não fez Magistério porque diz que a ideia de dar aula, na época, definitivamente não a atraía. “A minha mãe era professora e eu não queria isso de jeito nenhum. Eu via ela dando aula e sempre achava que fosse uma profissão difícil e pouco valorizada.”
Quando prestou vestibular, Luiza colocou arquitetura como primeira opção – história era a quarta. Sair de Caxias (e ganhar a liberdade do pai) era o desejo mais forte de Luiza – bem mais forte, pelo menos, do que a vontade de cursar arquitetura. “Eu queria ir a Porto Alegre, esse era o meu sonho.” Quando Luiza recebeu a notícia de que havia passado no vestibular, correu para a festa dos bixos na mesma hora. “Quando eu vi meu nome na lista dos aprovados eu fiquei super feliz,” conta. Na empolgação, no entanto, esqueceu-se de conferir para qual de suas opções havia sido aprovada. E foi somente depois da festa que ela descobriu que, ao invés de arquitetura em Porto Alegre, havia sido selecionada para cursar história em Caxias. “Eu sentei na calçada e chorei. Para mim, aquilo era tudo de ruim. Fui para casa muito triste e todos me davam parabéns. E eu preferia estar recebendo os pêsames.”
Passada a choradeira, os pais conseguiram convencê-la a ingressar na faculdade de história e cursar pelo menos um semestre – depois, o combinado era que ela poderia prestar vestibular novamente e abraçar mais uma vez a chance de ser livre em Porto Alegre, longe dos pais.
Dizem que os professores de faculdade influenciam a vida dos alunos. No caso de Luiza, isso não apenas foi verdade, como a influência de uma de suas professoras garantiu que ela tomasse o rumo que tomou. A aula era História do Brasil e a professora era Loraine Slomp Giron. Luiza, sem a menor pretensão de tornar-se historiadora, acabou descobrindo-se naquela aula uma apaixonada pela história. “Eu adorei. As aulas da Loraine eram polêmicas, ela nos fazia ter um outro olhar sobre a História. Eu aprendi que não existe uma verdade absoluta, que é fundamental conhecer a historiografia.”
Antes mesmo de terminar a graduação – a formatura na UCS em Licenciatura Plena em História foi em 1978 – Luiza já estava seguindo a profissão que, quando pequena, achava que nunca seguiria: era professora na Escola Estadual Ismael Chaves Barcellos, em Galópolis. Depois, de 1979 a 1981, trabalhou no Colégio do Carmo. Mas foi na rede estadual que Luiza lecionou por 32 anos. “Passei por vários colégios.” Além de professora, ter seguido a carreira de história fez com que Luiza também fosse diretora de colégios, historiadora no Museu Municipal de Caxias e no Arquivo Histórico e coordenadora da Casa da Cultura.
Em 1986 ela começou a dar aula na UCS, o que ainda faz até hoje. “Eu adoro dar aula. Me dá a possibilidade de ter contato com jovens e com crianças e de ver que posso fazer algo por elas, transformar alguma coisa. Eu realmente acredito que a educação transforma as pessoas. Em especial nas Ciências Humanas.”
Mais do que educar, Luiza encontrou também na área de História outra paixão: a da pesquisa acadêmica. Suas pequisas, atualmente, giram em torno de imigração italiana e história do judiciário. “Eu gosto de mexer em documentos, de descobrir a história,” explica.
O momento mais marcante nesses anos todos, Luiza conta com orgulho, foi quando ela teve a oportunidade de influenciar uma aluna tanto quanto Loraine a influenciou anos antes. “Eu tinha uma aluna no Apolinário chamada Rute que gostava tanto das minhas aulas de história que ela veio fazer a graduação de história na UCS. Na metade do curso, ela engravidou. E batizou a menina de Luiza.” O acontecimento já se passou há tantos anos que a Luiza em questão já é até mãe. Rute, até hoje, dá aulas de história no Apolinário, onde conheceu a professora que tanto se espelhou. “Existem muitas recompensas em ser profe,” diz Luiza.  
Luiza fez mestrado e doutorado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Nessa trajetória, ela conheceu outra professora que a marcou profundamente: Núncia Santoro de Constantino, que a apresentou ao mundo da pesquisa. Sob a orientação de Núncia, Luiza dissertou sobre O Olhar do poder: a imigração italiana no Rio Grande do Sul, de 1875 a 1914, e depois sobre a Imigração e poder: a palavra oficial sobre os imigrantes italianos no Rio Grande do Sul (1875-1914).“Foi ótimo, me abriu os horizontes, me ensinou a trabalhar com pesquisa e me tornou alguém mais humilde. Quanto mais estudamos, mais percebemos o que não sabemos.” 
Hoje, além de dar aula no curso de graduação e no mestrado de História da UCS, Luiza é editora da Revista Métis: história & cultura e diretora do Instituto Memória Histórica e Cultural da universidade, instituto responsável por preservar, tornar acessível e divulgar a história e cultura da região. Ela divide seu tempo entre o trabalho na UCS e a família, que diz ser muito unida. “Geralmente a família se reúne para aquela coisa de gringo: comer e beber,” diz. “Não tenho filhos, mas tenho seis sobrinhos maravilhosos, que eu amo de paixão: Eduardo, Rafael, Camila, Ana Paula, Lucas e Carolina.” É também com o marido, Ronaldo, que ela aproveita as horas livres. “O que nós gostamos mesmo é de ficar em casa.”
Ela e Ronaldo se conheceram em 2004, em Porto Alegre, quando ela fazia doutorado. “A gente se encontrou,” diz, ao explicar como os dois se apaixonaram. Dois anos depois, eles se casaram e Ronaldo mudou-se a Caxias. O casamento, conta Luiza, era para ser muito simples: o noivo, a noiva e a família no cartório. Mas graças a uma das sobrinhas, Camila, na época com nove anos de idade, o evento tornou-se algo muito maior do que o imaginado. “Ela disse ‘eu vou de aia. Se é casamento, tem que ter aia e tem que ter convite’”, relembra. Camila se deu ao trabalho de fazer os convites à mão, fechá-los com durex e uma florzinha seca para enfeitar, e convidou a família toda para o evento, sem que Luiza soubesse.
Ao receber o convite, uma das tias de Luiza, Maria Horn, imediatamente a telefonou, indagando: “como é que vai casar e não vai ter vestido da Corina?,” disse, referindo-se à famosa modista de alta costura, que é madrinha de Luiza. Corina acabou fazendo um vestido azul-marinho para que Luiza se casasse no civil com Ronaldo. Dois grandes amigos de Luiza, Maria Lúcia Bettega e Maurício Moraes, organizaram uma bênção do frei Jaime Bettega, e Valdir dos Santos, outro amigo, organizou o cerimonial. “Virou uma super produção!  E veio um monte de gente que a Camila convidou, além dos nossos amigos. No fim, a gente se divertiu um monte,” conta Luiza. 
Camila realizou seu desejo, foi a aia do casamento da tia no cartório. E assinou com os noivos o registro do casamento naquele dia. A foto desse momento, uma das preferidas de Luiza, é uma das que ilustra essa matéria.

LADO B Eliane Worm Portella

Perfil publicado na Revista Acontece, Caxias do Sul, em abril de 2014. 

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Por Valquíria Vita


Desde os 7 anos de idade Eliane já sabia que seria médica. A menina cresceu e descobriu o talento na área de ginecologia e obstetrícia. Hoje, até perdeu as contas de quanto partos já realizou

Eliane Ida Worm Portella, 64 anos, lembra muito bem da primeira vez em que ajudou a trazer um bebê para esse mundo. Naquele dia do ano de 1973, a jovem de 24 anos talvez ainda não soubesse, mas estaria começando ali uma carreira que lhe acompanharia por décadas. Uma carreira tão intensa que, apenas alguns anos mais tarde, a levaria a realizar mais de 40 partos ao mês.
Eliane era uma estudante de medicina da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e estava trabalhando em um de seus plantões. Nele, conheceu uma paciente grávida, que, depois de ser examinada pela estudante, pediu que ela fizesse seu parto quando a hora chegasse. "Ela simplesmente simpatizou comigo. E eu quase morri de sufoco", conta Eliane.
O parto aconteceu tempos depois, no Hospital Pompéia. Para a jovem mãe, a emoção de segurar seu filho pela primeira vez. Para a jovem médica, a de saber que foi ela a responsável por ajudar àquela mãe a sentir tamanha alegria. Apesar do sufoco e nervosismo da médica, tudo correu extremamente bem. "No dia seguinte, eu estava realizada. A sensação na hora foi muito boa, muito gratificante", diz Eliane, que realizou o primeiro parto com a supervisão de um colega médico.
Essa foi certamente uma das primeiras e mais marcantes experiências de Eliane em Caxias. Nascida em Porto Alegre, ela viveu no bairro Passo Da Areia, com a família, até os 18 anos de idade. O pai, Reinaldo, administrava uma empresa de transporte coletivo, e a mãe, Ella, cuidava da casa e das duas filhas (além de Eliane, de Valburga, que era mais velha). As meninas eram muito próximas da avó materna, que frequentou a casa da família durante toda a infância da médica. O segundo nome de Eliane, Ida, foi dado em homenagem a ela.
Eliane conta que foi a mãe que, de certa forma, a influenciou na escolha profissional que ela tomaria alguns anos adiante: "Minha mãe fazia questão de nos informar sobre medicina e desenvolvimento animal e vegetal. Com livros de anatomia, com gravuras e textos em alemão (origem da família), ela nos fez entender os ciclos biológicos, menstrual, a gravidez e o nascimento das crianças", conta.
Além disso, a médica diz que era comum, na época, abater em casa as galinhas que seriam servidas nas refeições. Cada vez que a mãe fazia isso, Eliane gostava de analisar atentamente o interior do corpo da ave depois de abatida. "Eu achava aquilo admirável."
Além de cultivar o hábito de observar a anatomia dos animais, a médica desenvolveu gosto por fazer curativos – não importando se quem necessitasse deles fosse um dos familiares ou um dos animais domésticos. Aos sete anos de idade, a menina já possuía sua própria caixinha de primeiros socorros.
Eliane ainda se recorda de eventuais visitas ao hospital, em Porto Alegre. Naquele tempo, crianças não podiam entrar em estabelecimento hospitalar e esperavam pelos familiares do lado de fora. E era lá mesmo que a futura médica se encantava ao ver as parteiras saindo do hospital com suas maletinhas. "Eu ficava só observando. Eu amava o hospital."
Desde pequena, Eliane decidiu se dedicar bastante aos estudos. Na escola, ela era uma aluna extremamente dedicada, daquelas que não aceitava notas menores do que 10. Inicialmente, a ideia após o ginásio era cursar Medicina em Porto Alegre – a escolha pelo curso não poderia ter sido outra, diz ela. Mas a concorrência por uma vaga na universidade da capital era muito grande, e Eliane decidiu prestar vestibular também em Caxias do Sul, onde foi aprovada. Foi ali o início de uma nova vida.
Sozinha, aos 17 anos de idade, Eliane mudou-se para uma nova cidade. A ideia de iniciar a carreira que já sonhava há anos foi suficiente para animar a mudança. "Eu não conhecia nada em Caxias, mas aqui pude me realizar", diz ela, contando que não teve obstáculos, a não ser o frio dos primeiros invernos. "Ao contrário, fiz muitas e boas amizades com os colegas, depois com pessoas da comunidade e, finalmente, com meus pacientes."
A jovem começou morando no Hotel Itália, cuja dona era amiga de seu pai. Depois, uma de suas colegas a convidou para morar com ela em um edifício em frente à praça Dante Alighieri. Eliane só se mudou de novo quando se casou pela primeira vez, em 1972, quando estava no quarto ano da faculdade de Medicina.
No quinto ano do curso, ela decidiu a especialização que lhe acompanharia pela vida toda, a ginecologia. Foi nesse mesmo ano, pouco antes de se formar, em 1974, que Eliane teve o primeiro filho, Alex, que hoje vive em Camboriú. Três anos depois, ela teve uma filha, Mariane. Hoje, ela é médica dermatologista e trabalha na mesma clínica onde a mãe segue atuando como ginecologista, no centro de Caxias.
Depois da formatura, muitas oportunidades começaram a surgir para Eliane. A primeira delas foi a criação de um grupo de atendimento a partos, juntamente com professores e colegas da UCS, chamado Progesta. "Compramos o primeiro monitor de partos de Caxias. Na época não havia nem o sonar para escutar o nenê, era ainda um pinar, aquele de colocar no ouvido", conta. Eliane começou a fazer mais e mais partos – e por muito tempo chegou a trazer mais de 40 bebês ao mundo por mês. "Foi a época em que eu mais fiz partos", lembra.
Eliane trabalhava muito. Tinha uma grande quantidade de pacientes e a todas elas prometia estar lá no dia no dia em que a hora chegasse. "Então eu não podia não estar lá," explica. A médica, por vários anos, acostumou-se a ter de levantar da cama a hora que fosse chamada para o hospital. "Eu vivia estonteada pelo cansaço."
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Além de atuar no monitoramento dos partos, Eliane e os integrantes do grupo também davam aulas e preparava os casais para a hora do nascimento. Toda essa atividade fez com que ela fosse convidada para participar do Instituto de Ginecologia e Obstetrícia de Caxias do Sul, que perdurou por cerca de 40 anos, no Edifício Estrela.
Foram décadas muito agitadas. Ao longo da carreira como obstetra, Eliane também trabalhou em postos de saúde, prefeitura e sindicato, além de ter se envolvido em diversos projetos e ter lecionado na disciplina de ginecologia da Medicina da UCS. Exerceu esta função durante 23 anos: "Algumas das minhas melhores recordações são de quando eu fui homenageada pelos meus alunos em suas formaturas, e também quando tive a chance de ser paraninfa de uma das turmas", conta.
Eliane lecionou até 2005, ano em que também se separou de seu primeiro marido. Há três anos decidiu afastar-se da obstetrícia e se dedicar apenas a ginecologia. Ela trouxe bebês ao mundo de 1974 até 2011, impossível, portanto, contabilizar quantos partos realizou – essa é, mesmo assim, uma pergunta que ela frequentemente tenta responder a si mesma.
O fato é que o trabalhar tão próxima das pacientes e por tanto tempo, e sendo responsável por um momento tão importante quanto o nascimento de um bebê, fez de Eliane uma profissional realizada. Segundo ela, sempre foi muito satisfatório acompanhar não apenas as mães, mas toda a família, geração após geração. "Em alguns casos, fui até a terceira geração acompanhando gestações. Só não estou fazendo mais porque decidi deixar a atividade obstétrica," diz.
Hoje, ela concentra a maior parte de seu tempo atendendo pacientes no consultório de ginecologia e no estudo e tratamento de reposição hormonal. Desde 2009, está casada novamente, com o médico psiquiatra Valter Portella. Uma vez por semana, vai a Porto Alegre, onde atende em um consultório que divide com o marido. Além destas viagens, também fazem parte de sua rotina atual muitas idas a São Paulo, onde trabalha com o médico endocrinologista Elsimar Coutinho, parceria que criaram há 18 anos.
Todos os finais de semana, Eliane e Valter descansam em Gramado, onde possuem um apartamento. Os dois passam sábados e domingos lendo e vendo filmes. "Somos muito companheiros, fazemos vários programas juntos, inclusive frequentamos a academia duas vezes por semana", conta.
No ano passado, Eliane, que já viu tantos bebês nascerem, ganhou a alegria de ver o primeiro netinho. Nascido em abril, Yan Davi, filho de Alex, é visitado e mimado pela avó sempre que ela e Valter conseguem um tempinho para ir a Camboriú.
A agenda da médica ainda segue cheia. Os planos para os próximos anos são manter-se "trabalhando a mil", como ela mesma define. "No ritmo que estou, está muito bom. Não me sinto mais cansada."

Lado B - Milton Commazzetto

Perfil publicado na Revista Acontece, Caxias do Sul, em setembro de 2014. 

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Por Valquiria Vita



De Tapejara, passando por Farroupilha, Pelotas e Porto Alegre. Descubra a trajetória do psiquiatra que criou laços com Caxias do Sul

Os encontros começaram há quase 25 anos. Um grupo de amigos costumava se reunir para conversar sobre seus assuntos favoritos: cinema, literatura, música e vinhos. Escolhiam a casa de um deles para isso. As reuniões se tornaram tão frequentes, e as amizades tão fortes, que eles decidiram fazer daqueles jantares um compromisso mensal. Criaram, com isso, a Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho Serra Gaúcha. Enquanto conversam, os amigos harmonizam belos pratos com belos vinhos. “Temos até estatutos que definem os ritos das nossas reuniões, como o uso de gravata e capas. Há os responsáveis pela música, pela gastronomia e pelos vinhos. A sociedade nasceu da amizade,” conta o psiquiatra Milton Commazzetto, um dos integrantes. 
É esse um dos lazeres favoritos do médico quando ele está fora dos consultórios psiquiátricos em que atende. Um dos psiquiatras mais renomados de Caxias do Sul, Commazzetto, hoje com 70 anos, acredita que a maior dificuldade da humanidade atual é saber manter as relações. Talvez, justamente por isso, ele faça questão de cultivar as suas. 
Commazzetto (“Dois m’s, dois z’s e dois t’s”, diz ele no início da entrevista – como já deve ter repetido inúmeras vezes ao longo da vida), nasceu em 14 de agosto de 1944 em Tapejara, cidade do interior do Noroeste do Rio Grande do Sul. Seus pais, os caxienses José e Josefina, tiveram, além dele, outros sete filhos. “Eu sou o nenê de uma família de oito,” conta Commazzetto, que teve seis irmãs. “Foi uma coisa muito querida. Como se eu tivesse tido sete mães.”
As lembranças da infância de Commazzetto são muito agradáveis, especialmente porque Tapejara era uma região de campanha e as crianças tinham liberdade para brincar nos campos. A família saiu de lá quando ele tinha 10 anos para residir em Farroupilha. Com apenas 17 anos, Commazzetto tornou-se sócio de uma fábrica de calçados.
Foi na adolescência que Commazzetto começou seu vínculo com Caxias. Juntamente com um grupo de estudantes, ele viajava todas as noites até a cidade para cursar o Científico no Colégio Cristóvão de Mendoza. Commazzetto era integrante da União de Estudantes Farroupilhenses e da União Intermunicipal de Estudantes. Ele escrevia para um jornal estudantil, chamado O Vanguarda, onde tinha uma coluna sobre política e uma sobre cinema. “Eu adorava filmes, hoje não tenho mais tempo para isso,” diz. 
Enquanto trabalhava e envolvia-se no movimento estudantil, Commazzetto nutria uma outra vontade: a de fazer medicina. “Desde jovem, certamente, além do raciocínio consciente, houve razões do coração que determinaram essa escolha.” Mas não bastava apenas a vontade. Para cursar medicina era necessário também um grande investimento, e, para bancar os custos com a faculdade, ele vendeu sua cota da empresa em Farroupilha. “Com o dinheiro, consegui pagar quase toda a faculdade de medicina em Pelotas.”
Ao entrar na faculdade, o jovem Commazzetto decidiu que psiquiatria seria sua especialização. Foi no final dos anos 60, enquanto era bolsista em um hospital de Pelotas, que Commazzetto conheceu Luiza, na época, estagiária de nutrição. O casal, que está junto até hoje, viu o romance iniciar naquele hospital acadêmico.
Após os seis anos de medicina, concluí­dos em 1972, Commazzetto embarcou em três anos de especialização em psiquiatria, depois de passar na prova da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em 1973, ele e Luiza se casaram e ela foi com ele a Porto Alegre. Nesse período, ele trabalhou no Hospital São Pedro. “Eu atendia sozinho uma ala feminina de 150 pacientes,” lembra. “Foi uma experiência de vida muito intensa.”
Em 1975, quando concluiu o curso, Commazzetto estava decidido a ficar na Capital, já que tinha um grande grupo de amigos na cidade. Ele rejeitou uma oportunidade de trabalho para voltar a Pelotas. Mas não rejeitou uma chance de vir a Caxias. O médico considerou os laços que já tinha com a cidade: seus pais haviam nascido aqui e ele havia estudado aqui quando era adolescente. Foi difícil deixar Porto Alegre e todos os amigos, mas Commazzetto e a mulher, na época grávida da primeira filha, Carolina, assumiram a nova oportunidade. “Além de uma proposta de trabalho, a UCS abriu as portas para que eu lecionasse na psiquiatria,” conta Commazzetto, que não se arrependeu da decisão de deixar Porto Alegre. “Optei por Caxias. E sou feliz e realizado aqui. Sou muito grato a Caxias, pois aqui fui bem recebido e encontrei um ambiente que me proporcionou viver bem com a minha família.” Ele lecionou na UCS durante três décadas. 
Logo que chegou em Caxias, Commazzetto foi presidente da Associação Médica, e, em 1983, foi vereador pelo PMDB. “Fui o mais votado de Caxias, tenho muito orgulho disso,” diz Commazzetto. “Sempre gostei da política. Desde a época em que escrevia para O Vanguarda.” 
Commazzetto foi vereador por seis anos e passou por momentos em que teve dúvidas se seguia com a carreira política ou se ficava apenas com a psiquiatria. “Foi uma luta muito grande.” 
Sua vida política não se limitou à atuação como vereador. Commazzetto concorreu a vice-prefeito de Caxias com José Ivo Sartori e depois a deputado estadual. Não se elegeu, mas assumiu a Delegacia Regional da Saúde. “Foi na época em que o SUS recém havia sido criado. Foram anos muito difíceis,” lembra.
Como delegado regional da saúde, ele diz ter reunido esforços para a criação de um hospital público em Caxias, na década de 80. “Depois de várias reuniões relatando as dificuldades com o governador Pedro Simon, ele me autorizou a procurar o terreno para construirmos o Hospital Geral,” conta. O hospital foi concluído na sua segunda gestão como delegado da saúde. 
Commazzetto deixou de exercer a vida política, e até hoje segue dedicando a maior parte de seu tempo à psiquiatria, área que lhe encanta cada vez mais. Evoluções como o aperfeiçoamento das medicações, segundo ele, ajudaram a mudar o quadro da psiquiatria. As internações diminuíram muito e a psicanálise e os conceitos Freudianos auxiliaram o entendimento do doente mental. “Nos últimos anos ocorreu uma grande virada no conhecimento nessa área. Foi só há poucos anos que a ciência começou a se debruçar no estudo do cérebro humano. Isso revolucionou a abordagem da psiquiatria.”
O maior desafio em ser médico hoje em dia, segundo Commazzetto, é conciliar os avanços da tecnologia com a boa relação entre o profissional e o paciente. “Essa relação médico-paciente é uma aliança de confiança para uma caminhada quase sempre difícil, em busca dos melhores resultados para o paciente. Mas, hoje, parece-me que esse lado humano, da relação médico-paciente, está perdendo espaço, para a tecnologia e a profissão está tornando-se técnica - o que, a meu ver, é um grande equívoco,” opina Commazzeto. 
O médico ainda tem uma rotina muito agitada, e a aposentadoria ainda não está nos seus planos. “Minha característica é fazer alguma coisa, sempre, então, por enquanto, não sinto a necessidade de mudança. Estou apenas planejando diminuir a carga horária, para poder ter mais tempo para lazer e viagens, mas parar de trabalhar nem pensar.”
Commazzetto e a mulher, Luiza, tiveram três filhos: Carolina, que hoje é farmacêutica e dona de uma farmácia de manipulação, Isabel, que é advogada e Gustavo, que, assim como o pai, é psiquiatra. Eles têm três netos: Maria Luiza, Valentina e Bento.
Além de curtir a família, Commazzetto também se dedica às relações de amizade, como às que mantém com o grupo de apreciação de vinhos que abriu essa matéria. “Todas as pessoas de coração aberto, de alma boa, são agentes de amizade. Quando se gosta de uma pessoa, essas trocas de energias positivas nos fazem muito bem.”