sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Lado B - Jayme Paviani



          Escrever perfis é uma das paixões da minha vida. É na verdade o que me sobrou de paixão do jornalismo - paixão essa que era bem mais forte há um tempo. Sigo empolgada para escrever sobre a vida das pessoas (tanto em Pittsburg quanto em Caxias), e, como sempre quis ser escritora, pretendo levar isso adiante agora que entrei no mestrado. No futuro, espero publicar biografias. 
          Por enquanto, publico aqui uma série de perfis que deixei pronta para a Revista Acontece, aqui de Caxias. O desse mês é do professor Jayme Paviani. Nos próximos meses, publico o de um fotógrafo que já clicou mais de 600 casamentos e o de uma voluntária de um asilo que trabalha de graça há 25 anos. Prometo que são pessoas sensacionais e que não irão se arrepender dessas leituras :)





perfil publicado na Revista Acontece, de Caxias do Sul, em fevereiro de 2014. 

Por Valquíria Vita
Autor de mais de 40 livros e professor da UCS por quase cinco décadas, Paviani nutre uma paixão inesgotável por filosofia e pela arte de ensinar. Por trás do escritor, filósofo e professor envolvido em inúmeros projetos de pesquisas e livros, está um avô orgulhoso, que é também apreciador de boa música, futebol, romances policiais e gatos



Na saída de uma aula no bloco E da Universidade de Caxias do Sul, numa tarde do final de novembro, um dos alunos apressa o passo para alcançar o professor Jayme Paviani. Tímido, lhe entrega um presente e uma frase quase ensaiada: "Em agradecimento aos encontros semanais das nossas aulas nesse semestre", diz, acrescentando ao apontar para o presente: "Sei que o senhor gosta e tem até um poema sobre isso". O professor, igualmente tímido, recebe o presente (uma garrafa de vinho) e responde com um obrigado, um sorriso e um aperto de mão, e segue para sua sala. Paviani não é daqueles escritores que gostam de receber muitos elogios – do que quer que sejam – apesar de ter um currículo que se destaca na academia: publicou mais de 40 livros e tem 48 anos de experiência em sala de aula, onde orientou mais de 60 teses de mestrado e doutorado.
O interessante é que quem escuta o nome do professor do mestrado em Educação da UCS rapidamente o relaciona à filosofia – tema central de seus estudos desde que era um jovem aluno do seminário. O lado que poucas pessoas conhecem é que o escritor e professor é também um avô muito coruja, que consegue manejar o tempo que dedica a estudar e ensinar Platão aos universitários, com as horas que passa com os dois netos pequenos, Enzo, de cinco anos, e Martina, de 10, que vivem na casa ao lado da dele.
Uma foto das duas crianças abraçadas e sorrindo está emoldurada em uma das mesas da sala de pesquisa de Paviani, na UCS, para que ele possa olhar para elas todos os dias – até mesmo nos mais apressados, como naquela terça-feira em que concedeu essa entrevista, onde teve de encontrar tempo entre uma aula e uma palestra que ministraria na UCS uma hora mais tarde. Naquela tarde, ele estava sozinho na sala – a outra professora que ocupa o espaço de pesquisa e tem seu nome exposto na porta junto com o dele é sua esposa, a professora do mestrado em Educação da UCS, Neires Soldatelli Paviani.
Foi no espaço acadêmico, que os dois dividem até hoje, que Jayme e Neires se conheceram, há 48 anos. O que levou Paviani a ingressar no ambiente da universidade foi sua formação inicial. Tudo começou em Flores da Cunha, onde o escritor nasceu, em 4 de junho de 1940. Filho de Esmeraldina e Raymundo, Paviani não quis seguir os passos do pai, famoso no meio político da região – Raymundo foi vereador e prefeito de Flores da Cunha. "Já recebi várias propostas, mas nunca me envolvi com política", diz ele.
Ainda jovem, Paviani veio estudar no seminário em Caxias do Sul. "Desde os 11 sou caxiense", diz o escritor, que recebeu o título de Cidadão Caxiense em 1999. Foi no ambiente do seminário onde Paviani ainda jovem teve os primeiros contatos com assuntos como latim e filosofia. "Foi aí que eu comecei a escrever poemas. Naquelas manhãs lindas de outono eu lia poesias de Horácio e Virgílio. Descobri a poesia e nunca mais abandonei", conta. O seu primeiro livro de poemas, Matrícula, escrito em conjunto com outros autores, foi lançado em 1967. Hoje, o autor já coleciona oito livros próprios de poemas.
A escolha pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, na época oferecida em Viamão (que depois se tornou Universidade de Caxias do Sul), veio naturalmente depois do seminário. Após a graduação em Filosofia, Paviani estava apto para começar a lecionar, exercício que iniciou em março de 1965. Ao mesmo tempo, ele ingressou em uma segunda graduação, dessa vez em Direito. Alguns anos mais tarde, em 1972, foi um dos primeiros professores da UCS a ingressar no mestrado – na época, como ainda não existia em Filosofia, ele optou pelo mestrado em Educação. "Foram as contingências que me levaram a todos esses caminhos", diz. Depois do mestrado, ele fez doutorado em Letras e concluiu um pós doutorado em Pádova na Itália, onde especializou-se em Filosofia Grega.
Por causa da formação em quatro áreas diferentes (Filosofia, Direito, Educação e Letras) Paviani faz questão de ressaltar a interdiscilinaridade de seu trabalho. "Eu sempre lecionei filosofia para diversos outros cursos. A filosofia que eu estudo é voltada para outras áreas do conhecimento", explica.

O professor já perdeu as contas de quantas conferências já participou em outras universidades. Só no último semestre de 2013 já havia recebido convite para 20. Optou por participar de "apenas" dez. De todas as que já palestrou, lembra especialmente de uma em Nova Iorque, em 2000, onde falou sobre globalização para 2 mil pessoas – o tamanho do público não o intimidou, diz ele. "Fico mais nervoso para falar para 5, 6 pessoas", conta ele, que, na época, palestrou em italiano – Paviani também entende inglês, espanhol e francês.
Ao longo da trajetória, foram muitos os convites para dar aulas em universidades em outras cidades – fora os 19 anos que coordenou mestrado e doutorado em Filosofia da PUC/RS, em Porto Alegre (mas que manteve os laços em Caxias), Paviani nunca aceitou nenhum outro convite para sair da cidade que o acolheu desde os 11 anos de idade. "Quando eu era ainda jovem, li uma frase que nunca mais saiu da minha cabeça: ‘A pessoa realmente vence na vida, quando ela vence na própria terra’".
Neires, sua esposa, também nunca aceitou convites para sair de Caxias. Os dois se conheceram em 1965, na Faculdade de Filosofia, quando Paviani era professor de Filosofia e Neires, aluna do curso de Letras. Casaram-se três anos depois e tiveram dois filhos: Leonardo Soldatelli Paviani, que hoje é dentista e violinista da Orquestra Sinfônica da UCS, e Monica Soldatelli Paviani, que é psiquiatra.
Hoje, além de ser professor e estar envolvido em projetos de pesquisa do mestrado de Filosofia e de Educação na UCS, Paviani dedica seu tempo para concluir alguns livros, escrever para o jornal Pioneiro e para a revista Bom Vivant, contribuir para obras de outros autores e participar de palestras e conferências. Quando sobra um tempo – o que é raro – ele diz que cultiva três hobbies. O primeiro deles é acompanhar futebol – apenas acompanhar e não torcer, como ele mesmo explica. Paviani faz questão de assistir os jogos de Juventude e Inter, mas também não perde as partidas do Grêmio, time do coração do neto, Enzo. O segundo hobbie é ouvir música – e ele diz ser muito eclético, ouvindo desde sertaneja até erudita. "Desde que seja música boa. Apreciar música é uma coisa genial". O último hobbie envolve leitura – mas não as científicas e filosóficas, que já essas fazem parte de sua rotina. Paviani é fã de romances policiais, e diz ler até dez títulos por ano. "Só não leio mais porque não dá tempo", justifica. Os romances enchem parte das prateleiras da biblioteca de sua casa, que conta com mais de 7 mil obras.
Uma das frequentadoras assíduas da biblioteca, como ele mesmo brinca, era Greta, uma gata siamesa que faleceu há pouco tempo. Paviani e a mulher gostam tanto de gatos que já chegaram a ter mais de 10 felinos em casa de uma vez só. Com a morte de Greta, a casa hoje é ocupada por dois cachorros, um deles, recolhido da rua e acolhido pelo casal. Os dois não pensam em adotar novos gatos, já que com a rotina agitada de ambos, falta tempo para cuidar de tantos animais.
Aos 73 anos, Paviani diz que ainda não está pronto para descansar. Esse ano, ele já lançou o livro As Origens da Estética em Platão e até o final de 2013 pretende lançar mais um. Intitulado "Uma introdução à Fisolofia", a obra, apesar do título, é "um livro que só se escreve na maturidade," como explica ele. O professor também está trabalhando em mais dois livros de poemas. "Mas não tenho pressa de terminá-los. Poema é a coisa mais difícil de ser feita. O poema tem que ser bom mesmo, e não mais ou menos".
Ele diz que pretende continuar fazendo o que mais gosta: dar aulas. A atividade, segundo ele, o relaxa, já que o ambiente da universidade é rejuvenescedor. A explicação para isso, diz ele, está nos alunos – na sua maioria, jovens como aquele que no início dessa matéria lhe entregou uma garrafa de vinho em agradecimento às ótimas aulas de filosofia. A convivência com eles talvez seja exatamente a receita para a disposição do incansável Jayme Paviani: "Costumo dizer que um dos segredos da universidade é que os prédios envelhecem, os professores envelhecem, mas os alunos sempre têm 20 anos".

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A carta que a gente nunca mais abriu

Em 2010 eu e quatro amigos resolvemos escrever uma carta juntos. Na verdade, éramos em dois casais e um amigo. Combinamos de abrir a carta em janeiro de 2011, um ano depois, todos juntos, frase inclusive que foi escrita no envelope selado em que guardamos a carta. 

Nela, cada um dizia o que esperava pro futuro, tipo resoluções - na época, todos ainda na universidade devem ter desejado algo relacionado às futuras carreiras, não lembro, e não posso abrir a carta sozinha para relembrar para não descumprir o combinado 'todos juntos'. Hoje, acho que se fossemos escrever a mesma carta já desejaríamos coisas diferentes - eu sei que eu, pelo menos, faria isso. 

A carta ainda não foi aberta. Está guardada desde 2010 no fundo de uma gaveta do meu quarto de Caxias (pelo menos alguma coisa permaneceu no mesmo lugar, já que eu, por outro lado, saí de Caxias para morar em cinco casas diferentes do Kansas, depois em Porto Alegre e depois de volta pra Caxias - cansei só de lembrar).

Mas então. Depois daquele verão em Arroio do Sal em que escrevemos a carta naquela noite, nunca mais tivemos outra chance para reunir os cinco novamente. Os dois casais se separaram. Hoje, nenhum dos quatro, aliás, mora na mesma cidade do ex, e isso dificultou bastante. 

Muita coisa acabou acontecendo com todo mundo (e deus sabe quanta coisa cabe nesse 'muita') e impediu que a tal da carta fosse aberta.

Ontem, quando um desses amigos estava aqui em casa e acabou enxergando o envelope, ele lembrou que 'vamos ter que abrir essa carta agora só em 2015', porque ele sabe que não vou estar nos próximos anos. 

Mais uma vez, a leitura dela foi adiada. Mais uma vez, adiada pelos acontecimentos que ninguém previa. E quem sabe se, mesmo em 2015, isso vai ser possível?

Fiquei pensando em como todos os eventos das nossas vidas conseguem distanciar pessoas que eram muito próximas (e, ao mesmo tempo, unir outras ainda mais). 

Em como o surgimento de um problema realmente sério pode reforçar o sentido das amizades. 

E em como não podemos nunca contar com 'o ano que vem', nem o mês que vem e nem mesmo com o dia seguinte. A imprevisibilidade da vida não nos permite fazer isso. (Pena que leva um tempo até a gente perceber isso). 

E, bom, quanto à carta, talvez um dia ela seja aberta. Quem sabe, né?